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2 dias agoon
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Este artigo é um recorte do livro “Escola Woke: Como o Método Paulo Freire foi retrofitado para os dias de hoje”, de Anamaria Camargo.
Pais e mães brasileiros têm cada vez menos liberdade para fazer reais escolhas para a educação de seus filhos. Embora os mais atingidos sejam obviamente aqueles que não podem pagar por uma escola privada, eles não são os únicos, uma vez que, mesmo na rede privada, a diversidade de oferta curricular tem sido continuamente tolhida. Afinal, os currículos de todas as escolas, sejam públicas ou privadas, precisam incluir os objetivos de aprendizagem estabelecidos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Pior: os cursos de formação de todos os professores, de todas as escolas, públicas ou privadas, devem obrigatoriamente seguir currículos chancelados pelo Ministério da Educação (MEC).
Embora ainda existam materiais didáticos abertamente enviesados por conteúdos “marxistas raiz”, eles não representam o maior risco porque são transparentes, fáceis de apontar. Já a linguagem woke, por seu lado, manifesta-se em palavras e expressões que conhecemos, mas cujos significados foram corrompidos sem que a maioria de nós se desse conta. Diversidade, empatia, inclusão, equidade, resiliência, democracia, sustentabilidade, bem-estar, tolerância e direitos humanos são apenas alguns exemplos. Deturpados, tais termos estão presentes em documentos oficiais de órgãos do governo brasileiro que determinam abordagens educacionais, conteúdos curriculares, formação docente e políticas de combate à violência nas escolas, entre outros.
É importante lembrar que nem todos os que usam a linguagem woke em contextos educacionais o fazem com intuito de enganar ou manipular. Muitos professores simplesmente não aprenderam outra forma de falar sobre o seu trabalho senão através de algum arremedo de pedagogia neomarxista e doutrina woke. Por isso, pais e mães precisam ser capazes de questionar mesmo pessoas insuspeitas e provavelmente bem-intencionadas, como o coordenador acadêmico que pretende levar adiante um projeto interdisciplinar que mistura matemática e racismo ou a diretora que adota políticas disciplinares, talvez estranhas ao que você considere de bom senso, para lidar com alunos violentos.
Dito isso, que não restem dúvidas: há também professores e gestores educacionais que não ignoram a manipulação, mas se sentem legitimados em assim agir porque são movidos pela “missão” de despertar a “consciência crítica” de crianças e adolescentes para que “transformem o mundo” segundo os cânones da doutrina woke. São aqueles que leram os textos sagrados de Paulo Freire, de onde pinçam os trechos que regurgitam para embasar as práticas pedagógicas atuais. Refiro-me aqui principalmente ao Método Paulo Freire, que foi retrofitado para os dias de hoje e cuja linguagem e relações com o wokismo vamos desvelar.
O wokismo é, antes de tudo, uma seita totalitária, coletivista e fundamentalista e, apesar da tão defendida laicidade do ensino estatal, está presente, em maior ou menor grau, em todas as escolas públicas brasileiras. É evidente que pais e mães woke devem poder acessar escolas privadas cuja missão seja explicitamente woke. Por outro lado, não há como justificar que sejam impostos a escolas públicas e privadas, laicas ou confessionais tradicionais, o proselitismo e os ensinamentos de uma doutrina sectária que explicitamente refuta os valores judaico-cristãos e a epistemologia ocidental, que tem por fundamentos a racionalidade e a lógica.
Levada a cabo através da formação docente, dos documentos curriculares, do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que orienta os conteúdos escolares, e da compulsoriedade da frequência a escolas chanceladas pelo MEC para crianças dos 4 aos 17 anos, tal imposição representa um poderoso entrave à liberdade de escolha educacional. Impede pais e mães de exercerem não apenas o direito de garantir um ensino robusto, baseado na racionalidade das ciências e na profundidade estética da literatura e da arte, como também o direito de transmitir os seus valores morais e/ou religiosos aos seus filhos. Mesmo que não saibamos até que ponto as determinações expressas nos documentos da política educacional do Estado de fato se concretizam nas salas de aula, não há dúvida quanto à intenção de fazer com que professores doutrinem crianças e adolescentes conforme os dogmas woke. Exercer o protagonismo que lhes cabe na educação dos seus filhos e o direito de escolher para eles uma escola que não seja woke depende, em primeiro lugar, que pais e mães sejam capazes de identificar as práticas e, principalmente, a linguagem da Escola Woke, para, então, reagir pontualmente ou por meio de movimentos de base comprometidos com o fim da hegemonia woke imposta pelo Estado nas escolas brasileiras.
A ideia aqui é discernir os termos usados nesses documentos, contextualizando-os e referenciando-os, para que restem claras as intenções de quem os produziu. A partir desse entendimento, será possível identificar linguagem semelhante no contexto escolar dos seus filhos, na mídia e nas propostas de, assim intitulados, especialistas em educação mais interessados na disseminação do wokismo do que na educação em si mesma. Dessa forma, pais, mães e cidadãos em geral estarão mais bem posicionados para reagir.
De maneira bem resumida, o wokismo é a seita baseada na crença de que todas as relações sociais e tudo o que a sociedade produz resultam da ação, consciente ou não, de grupos que desejam manter os sistemas de poder que os beneficiam, às custas de grupos oprimidos, marginalizados. Esses sistemas de poder, tais como o racismo estrutural e a homofobia, reforçam os privilégios de uns, enquanto impõem barreiras a outros, conforme suas identidades. Como as pessoas têm múltiplas identidades — por exemplo, raça/etnia, sexo, orientação sexual, religião, aparência gorda ou magra, capacidade física e mental etc. —, elas são mais ou menos oprimidas ou mais ou menos opressoras conforme as interseções de suas identidades com os sistemas de poder. Essas interseções definem a posicionalidade de cada um. Assim, supostamente, a experiência de opressão de uma mulher negra heterossexual é diferente da de uma mulher negra homossexual, e a de uma mulher negra homossexual magra, diferente da de uma mulher negra homossexual gorda, e assim por diante.
O sectário woke refere-se a essa crença como consciência crítica, e, para ele, quem a possui — quem “acordou” — tem como missão transformar a sociedade ocidental, fundada em valores judaico-cristãos, em uma sociedade fundada na justiça social. Representa entender sua posicionalidade e nela basear e justificar todas as suas ações e relações. A partir dessa autoconsciência, cabe ao sectário engajar-se como ativista, ou, pelo menos, como aliado, na luta contra as ideologias que mantêm os tais sistemas de poder. Supostamente, é a adesão cega a essas ideologias — principalmente a supremacia branca, o patriarcado e a cis-heteronormatividade — que garantem a reprodução do status quo através de instituições como família, religião e educação. A Escola Woke é, portanto, no seu sentido primeiro, aquela cuja missão fundamental é (de)formar crianças e jovens, transformando-os em ativistas e aliados.
Conforme pretendo demonstrar ao longo deste livro, Paulo Freire, ainda que megalomaníaco, provavelmente não supôs que influenciaria a formação de uma seita como o wokismo, hoje absolutamente hegemônico nas instituições educacionais do mundo ocidental. A presença de Freire é, no entanto, indiscutível. Referências implícitas ou explícitas ao seu pensamento estão em diversos cursos de formação universitária e nos critérios para financiamento de pesquisas pretensamente científicas — não apenas na área de Educação e das Humanidades em geral. Estão também em documentos da Unesco que embasam metas globalistas com as quais o Brasil se comprometeu e em planos nacionais e estaduais de educação.
Criticamente, estão nas salas de aulas, onde o Método Paulo Freire, uma vez repaginado (retrofitado) em abordagens pretensamente pedagógicas, é utilizado para o aliciamento de crianças e adolescentes para a seita woke. Ainda que não seja possível provar que o wokismo não existiria sem Paulo Freire, parece claro que, sem a sua influência, provavelmente o wokismo seria muito menos nefasto.
Anamaria Camargo é mestre em Educação pela Universidade de Hull, na Inglaterra, e diretora-executiva do Instituto Livres pra Escolher.