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Guiada pelo legado de Cesaria Évora, artista lança disco em que canta em português e em crioulo, ligando o Brasil à África por músicas de Ednardo, Manuel de Novas, Moreno Veloso e Toy Vieira. Jussara Silveira lança ‘Brasilin’, álbum feito com produção musical de Alê Siqueira a convite de Sérgio Guerra
Fernando Nalberg / Reprodução do encarte da edição em CD do álbum ‘Brasilin’
Capa do álbum ‘Brasilin’, de Jussara Silveira
Arte de André Vallias
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Brasilin
Artista: Jussara Silveira
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♪ “São Vicente é um Brasilin / Chei di ligria, chei di cor”, canta Jussara Silveira, na língua crioula falada em Cabo Verde, em versos de Carnaval di San Vicente, composição de Pedro Cardoso Rodrigues apresentada ao mundo há 25 anos na voz de Cesaria Évora (1941 – 2011) no álbum Café Atlântico (1999).
O legado de Cesaria – cantora africana que nasceu, viveu e morreu em Mindelo, cidade da Ilha de São Vicente, e que pôs o som de Cabo Verde no mapa-múndi musical ao longo da década de 1990 – guia Jussara Silveira na travessia atlântica que deságua no álbum Brasilin.
Carnaval di São Vicente é uma das nove músicas que compõem o repertório deste álbum gravado por Jussara Silveira com produção musical de Alê Siqueira, a convite de Sérgio Guerra, diretor artístico da gravadora Maianga.
Por ora, Brasilin circula somente em edição em CD direcionada a amigos da artista, mas aportará nos aplicativos de áudio até o fim deste ano de 2024.
Em Brasilin, Jussara Silveira – grande cantora do Brasil, de origem mineira e alma musical baiana – se banha na energia rítmica de músicas compostas em português e em crioulo, idioma falado em Cabo Verde e baseado no léxico da língua portuguesa. Brasilin é disco que navega no balanço dos mares de Brasil e Cabo Verde com muitas vozes e percussões.
Cantora de voz cristalina que sempre faz escolhas inteligentes e sagazes de repertório, Jussara abre Brasilin com gravação de Musa da música (Dante Ozetti e Luiz Tatit, 2013, composição apresentada por outra cantora de voz límpida, Ná Ozzetti.
Musa da música aponta a matriz africana que embala o sons do mundo das Américas, base deste disco em que as sutis programações do produtor Alê Siqueira são pilotadas em harmonia com os sons orgânicos que brotam dos toques de músicos como Zé Luís Nascimento (percussão), Webster Santos (violão, guitarra, viola machete, bandolim e cavaquinho), Marcelus Leone (sopros) e João Ventura (piano).
Brasilin é álbum levado pelas águas daqui do Brasil e de lá, de Cabo Verde, quase sem sair do mar. “Já faz tempo que eu saí de casa / Pra viver no mar”, se situa a cantora, dando ênfase aos versos finais de Pescador (Sérgio Cassiano, 1998), música lançada pela banda pernambucana Mestre Ambrósio.
É quase o fecho do disco, mas, no arremate dessa faixa que encerra Brasilin, uma voz ancestral reverbera versos do tema tradicional Marinheiro só, reiterando que, sim, Jussara Silveira é da Bahia de São Salvador.
É nas águas baianas que navega o samba Não acorde o neném (Moreno Veloso e Domenico Lancellotti, 2014), cantado por Jussara numa roda singular que se abre para as vozes do grupo Ganhadeiras de Itapuã e da angolana Jay Jay, cantora não profissional.
Brasilin é disco embalado pela saudade que abraça e balança com certa melancolia. O afeto perfuma Verdianinha (1980), canção em crioulo de autoria de Manuel de Novas (1938 – 2009), poético trovador de Cabo Verde que viveu em Mindelo, berço de Cesaria Evora.
Na costura fina de Brasilin, Verdianinha antecede o voo poético e mágico de Pavão mysteriozo (1974), música lançada há 50 anos pelo cantor e compositor cearense Ednardo.
Do outro lado do oceano, Toy Vieira – compositor e multi-instrumentista de Cabo Verde, nascido em 1962 na ilha de São Nicolau – sobressai na cena do país africano, estando duplamente representado no disco de Jussara com duas músicas em crioulo, Coragem irmon e Dança ma mi crioula.
Coragem irmon é canção motivacional que propaga a força do amor sobre o dinheiro. Já Dança ma mi crioula – Dança comigo crioula, em português – é exemplo de coladeira, ritmo dançante de Cabo Verde.
Na sequência, o álbum atinge ponto culminante de emoção com o canto de Mãe que eu nasci, versão em português (escrita por Carlinhos Brown) da melódica canção em crioulo Direito de nascê, joia do já mencionado Manuel de novas, compositor nascido Manuel Jesus Lopes.
Aliada às programações de Alê Siqueira, a trama de violões, guitarras e cavaquinho criada por Webster Santos embala o canto límpido de Jussara Silveira em Mãe que eu nasci.
Brasilin é álbum que reitera a grandeza dessa cantora do Brasil que ora põe os pés fora do país nessa travessia atlântica que a conduz pelo rico universo musical e poético de Cabo Verde “chei di ligria, chei di cor”.