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3 meses agoon
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A ausência de uma representação física no Brasil não impede a continuidade das operações do X, no entanto, a situação da plataforma pode se complicar caso não cumpra novas ordens judiciais que venham a ser emitidas por Alexandre de Moraes e o STF. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo sobre o fechamento do escritório do X no Brasil, no sábado (17), depois que Moraes ameaçou multar e prender a representante legal da rede social no país, acusando-a de não cumprir ordens judiciais que pediam dados e o bloqueio de contas na plataforma.
Segundo Tedney Moreira, professor de Direito do Ibmec Brasília, o X ainda poderia ser alvo de suspensão no Brasil, em caso de descumprimento de novas ordens judiciais. “Nos termos do art. 12, incisos III e IV da Lei n. 12.965, de 2014 [o Marco Civil da Internet], é possível que o Judiciário determine a suspensão temporária ou a proibição de exercício das atividades de aplicações de internet se descumprida a legislação federal, o que seria a hipótese de reiteradas desobediências às ordens judiciais pelo X. Assim, não seria o fechamento do escritório do X um motivador a essa possibilidade, mas sim a prática de descumprimento das ordens judiciais”, afirmou Moreira.
O professor também disse que, mesmo com o escritório fechado no Brasil, o X, como empresa, ainda pode ser notificado sobre novas ordens do STF e de Moraes por meio de sua sede no exterior. Moreira lembrou que o Marco Civil da Internet permite que sanções sejam aplicadas a empresas estrangeiras que prestam serviços ao público brasileiro, o que significa que a empresa pode ser acionada independentemente da ausência de uma representação local.
“Baseando-se no art. 11, §2º, do Marco Civil da Internet, o fechamento do X no Brasil não é um impedimento para eventual punição de suspensão ou bloqueio das atividades do aplicativo no Brasil, já que esta sanção se estende também às pessoas jurídicas sediadas no exterior, desde que ofertem serviços ao público brasileiro. Isso certamente dificulta a responsabilização individual do representante no Brasil, mas, nesse caso, haveria notificação à sede [nos EUA]”, disse Moreira.
Em caso de uma eventual suspensão, Moreira afirmou também que Moraes poderia ordenar que as operadoras de telefonia móvel bloqueassem o acesso ao X, tanto pelo site da rede social quanto pelo aplicativo, ação similar ao que ocorreu com o WhatsApp e o Telegram no passado. No entanto, disse o professor, a decisão de bloquear o acesso à plataforma não impede totalmente que os usuários brasileiros a utilizem, especialmente com o uso de redes privadas virtuais (VPNs), que podem contornar tais bloqueios ao alterar o endereço IP dos usuários.
Caso o X seja suspenso no Brasil, a possibilidade de o STF tomar medidas contra o acesso à plataforma via VPN é limitada, pois não há uma legislação específica que proíba a utilização dessas ferramentas.
“Em tese, não há vedação ao uso de VPN no Brasil. Há países, por exemplo, que vedam. A China é um deles. Mas no Brasil não existe legislação específica vedando VPN. Então, a princípio, não teria uma sanção contra os usuários que utilizassem VPN”, disse Filipe Medon, membro fundador do Laboratório de Direito e Inteligência Artificial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor de Direito Civil da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para Medon, a retirada do escritório do X do Brasil deve prejudicar os usuários no país, já que, segundo o professor, “eles deixam de ter acesso mais rápido para resolver questões como moderação de conteúdo e perdem [também] sua referência nacional da empresa”.
Medon ressaltou que a situação do X tem paralelos com casos anteriores envolvendo outras plataformas, como o próprio Telegram. O aplicativo de mensagens russo, lembrou o professor, também passou a se recusar cumprir ordens judiciais brasileiras e começou a enfrentar medidas coercitivas progressivas por parte do Judiciário, começando com notificações e multas, até que tais ações escalaram para imposição da suspensão do serviço em território nacional.
Medon disse que o ministro Moraes não está impedido de notificar ou enviar ofícios diretamente para Musk, que vive nos EUA. No entanto, ambos juristas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que tal ação, sem um representante brasileiro, passa a depender agora de um demorado processo formal de cooperação internacional. Além disso, lembrou Moreira, demandas contra Musk só poderão ser processadas caso o ato pelo qual o bilionário estaria sendo notificado fosse considerado crime tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
“O X como empresa, assim como o próprio Elon Musk, poderiam ser alvo de notificações no exterior”, pontuou Medon. “Contudo, uma eventual notificação a Elon Musk ou o cumprimento de ordens judiciais brasileiras precisam de autorização do Departamento de Justiça dos EUA, após apresentação e aprovação de pedido de cooperação internacional, além do fato de que o crime eventualmente imputado aqui no Brasil a Elon Musk seja também considerado um crime nos EUA, em respeito ao princípio da dupla tipicidade”, afirmou Moreira.
O fechamento do escritório brasileiro do X marca um ponto alto na escalada de tensão entre a plataforma e o sistema judiciário brasileiro, iniciada em abril deste ano após a divulgação dos Twitter Files Brasil, uma série de reportagens desenvolvidas pelos jornalistas Eli Vieira, da Gazeta do Povo, Michael Shellenberger e David Ágape, que revelaram atos de censura do TSE e do ministro Alexandre de Moraes contra a direita no Brasil.
A rede social anunciou na manhã do último sábado o fechamento imediato de seu escritório no Brasil. Por meio da conta de Assuntos Governamentais Globais, a plataforma destacou que seus apelos ao STF “não foram atendidos” e que as ações de Moraes estariam “comprometendo a segurança de seus funcionários”.
“Estamos profundamente tristes por termos sido forçados a tomar essa decisão. A responsabilidade é exclusivamente de Alexandre de Moraes. Suas ações são incompatíveis com um governo democrático. O povo brasileiro tem uma escolha a fazer – democracia ou Alexandre de Moraes”, disse o X, afirmando ainda que, apesar do fechamento do escritório, o serviço da rede social “continua disponível para a população do Brasil”.