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1 dia agoon
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Sei lá se o ministro Luís Roberto Barroso lê Paulo Coelho. Mas que ele tem cara de quem lê, lá isso tem. Né? Cara de quem enche a boca para dizer que o Universo conspira a seu favor (viu como eu sei?). Mas não é Paulo Coelho o escritor que quero citar neste texto. É Fernando Sabino, autor de “O Encontro Marcado”, que estou relendo mas pode ficar tranquilo: não vou tentar te convencer a ler nem nada. Sei bem.
No romance de formação, certamente lido por Barroso no tempo em que era apenas um menino pedante de Vassouras, o jovem Eduardo, alter ego de Sabino, descreve justamente essa busca por ser culto e acumular autores lidos e citações semieruditas. Uma coisa que os tolos fazíamos para, em primeiro lugar, impressionar os amigos e os chefes. E, se calhasse, para impressionar e conquistar uma moça. O que era bem raro de acontecer, diga-se de passagem.
O curioso é que, quanto mais “culto” se diz esse pessoal, mais rasa é sua compreensão da cultura como experiência humana. Era isso, aliás, o que Sabino expunha em seu livro. Barroso, o cultão, é desses intelectuais cafonas do interior (com todo o respeito) que acreditam na cultura como um verniz usado para disfarçar o indisfarçável cheiro do adubo orgânico. Uma cultura que é, foi e sempre será uma forma mais ou menos eficiente de parecer sábio sem precisar ser.
Mas calma. É claro que vou mencionar que o mesmo Barroso que faz biquinho para falar no problema da “incultura” é o que estava todo alegre, animado e exuberante num show do Bell Marques, ex-Chiclete com Banana, em Brasília. Sim, axé. E aqui peço licença para elevar o nível desta nossa conversa e dizer: axé é uma porcaria. Inclusive o axé-arte da ministra Margareth Menezes. Axé-arte. Que conceito!
O fato é que, para a turma da toga, dos ternos de alfaiate e das camisas com monograma bordado, “ser culto” equivale a um certificado de superioridade intelectual e moral. Lá no próprio STF está a ministra Cármen Lúcia que não me deixa mentir. Ela que toma as decisões mais estapafúrdias, sempre citando um Caê, um Chico, uma Fernanda Montenegro ou um Pessoa. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, etc.
Aliás, fiz uma busca rápida aqui e descobri que, além de Fernando Pessoa, nos últimos quatro anos o ministro Barroso citou os seguintes escritores e poetas em seus votos. (Prepare-se para cair da cadeira, porque o ministro é muito, muito, muito culto. Tão culto que dói). Dois-pontos: Chico Buarque, Machado de Assis, Itamar Vieira, Zuenir Ventura e Mia Couto. Tem algo mais… clichê? Mais cafona?
Por isso é tão ridículo ver o presidente do Supremo Tribunal Federal (!) julgando a “incultura” nacional como se falasse de uma moléstia rural. O Brasil é inculto, sim. Mas não por ignorar Fernando Pessoa. É inculto por aceitar passivamente que a definição de cultura seja imposta por quem a consome como símbolo de status, e não como vivência.
Vale notar que Barroso não fala apenas por si. Ele fala por uma elite bacharelada que se reveza nas vênias e elogios. Gente que acha que entende o país porque toma café na Livraria da Vila, assiste a “Ainda Estou Aqui” e, com indisfarçável nojinho do cecê à sua volta, joga aos mãos para o alto ao som de Chiclete com Banana. Essa gente que, no fundo, tem mais medo da própria irrelevância do que do povo inculto.
Enquanto isso não mudar, e não vejo absolutamente nenhum sinal de que isso vá mudar num futuro próximo, seguiremos sendo governados, sim, governados por ministros do STF como o cultíssimo Luís Roberto Barroso (que, aposto, pagou uma mixaria na biblioteca a metro). Um ministro tão culto, praticamente um farol, que cita Chico Buarque num dia (“ó como eu sou culto, Kakay”) e dança axé no outro.
E, entre um e outro, dá um pitaquinho na democracia relativa durante sua milésima “rara” entrevista, leva a namorada para fazer turismo em Roma, dá uma palestra aqui e outra ali. E, como ninguém é de ferro, sempre encontra um jeitinho de frequentar rega-bofes suspeitos, nos quais solta a voz para cantar “Garota de Ipanema” – também conhecida como a melô chique do velho babão.