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5 horas agoon
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Da primeira vez que vi, tive que fazer como num desenho animado. Fechei os olhos com força, balancei a cabeça. E abri os olhos novamente, com a esperança de ter sido tudo uma ilusão. Não era. “Tem uma mortezinha daqui, outra dali”, disse a jornalista Eliane Cantanhêde sobre o impacto dos mísseis iranianos em Israel. Enquanto armas israelenses “destroem… é… Gaza… né?… matam… né?… milhares e milhares de pessoas” – continua ela.
“Essa senhora está dizendo isso mesmo?”, me perguntei enquanto assistia ao vídeo mais uma vez. E outra e outra. Para ter certeza e, pensando bem, não sei por que ainda me surpreendo. Afinal, Eliane Cantanhêde é a mesma que há alguns meses disse que “desqualificar, atacar políticas públicas é crime”. Ah, já sei! Se me surpreendo é porque acredito, realmente acredito na capacidade humana de aprender com os próprios erros. E vou continuar acreditando, apesar de tudo.
Mas, para tanto, é preciso que se reconheça o erro. Foi o que Eliane Cantanhêde aparentemente fez em dois tuítes. No primeiro, ainda insistindo no papel de analista de geopolítica, ela dizia: “Condeno o antissemitismo e não sou um monstro que ‘lamenta’ poucas mortes em qualquer guerra que seja”. Mas… Mas aí vem o “mas” que estraga tudo e insiste na farsa do interesse jornalístico na diferença entre o poder de destruição dos armamentos de Israel e Irã.
Como diria um cronista mais afeito aos ditos populares, a emenda saiu pior do que o soneto. Alguém, no entanto, deve ter dado um toque na jornalista, porque três horas mais tarde ela emendou a emenda e escreveu: “Depois de rever a gravação da pergunta que fiz na sexta-feira, reconheço que me expressei mal e dei margem a conclusões equivocadas, que não representam meu pensamento, pelo que peço desculpas”.
Não, Eliane Cantanhêde não é um monstro. E, por mim, está mais do que desculpada. Mas é preciso deixar bem claro: se Eliane Cantanhêde não é um monstro por ter se referido a “uma mortezinha daqui, outra dali”, e não é, tampouco podem ser considerados monstros Allan dos Santos, Daniel Silveira, Rodrigo Constantino, Leo Lins, Jair Bolsonaro ou qualquer um que “se expresse mal e dê margem a conclusões equivocadas”.
Combinado, dona Eliane? A senhora está disposta a defender o direito que esses seus adversários ideológicos têm de expressarem opiniões que a senhora considera monstruosas? A senhora aceita partir do pressuposto (bastante razoável) de que figuras públicas erram, se expressam mal, tropeçam nas palavras, nas ideias e até no próprio ego – e nem por isso são monstros merecedores de cancelamento, de censura, de exílio e de prisão?
Enquanto Eliane Cantanhêde processa essas perguntas, aproveito para reforçar o pedido que fiz dias atrás: leiam o “Sermão da Sexagésima”, do padre Antônio Vieira. Além de tudo, é belíssimo. Mas o mais importante para a nossa conversa aqui é que o Pe. Vieira faz um chamado à responsabilidade de todos nós (todos, viu, dona Eliane?), para que tomemos cuidado com as palavras que proferimos. Serve, inclusive, para a direita que neste momento usa irresponsavelmente a palavra para tripudiar sobre a veterana jornalista.
E, já que você teve a generosidade e a paciência de chegar até aqui, me permita uma última reflexão rápida. Você se lembra de quando Eliane Cantanhêde era uma “aliada” do antipetismo e da Lava Jato? Pois então. Naquela época, aplaudíamos tudo o que ela falava. Por quê? Porque o que ela nos dizia era agradável. Porque nos convinha – tanto quanto agora convém à esquerda ouvir Eliane Cantanhêde alternar absurdos, estultices e esporádicos pedidos de desculpas que não serão atendidos nem levados a sério.