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4 horas agoon
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Reconheço: sou um tanto quanto dramático. Muito dramático. Talvez até dramaticíssimo. Por isso com frequência recorro ao exagero. Mas às vezes consigo me conter e é por isso que hoje você não está lendo um texto dizendo que o padre Antônio Vieira destruiu ou fez um estrago na minha vida. Mas é quase isso, porque desde que li o “Sermão da Sexagésima” sou outra pessoa.
No texto do século XVII, padre Antônio Vieira usa a Parábola do Semeador para passar um… Passar um… (Será que faço esse trocadilho ruim ou não faço? Ah, vou fazer!) Para passar um sermão nos pregadores. Ele se refere aos sacerdotes que propagam a palavra de Deus, mas não só. Todos nós que fazemos uso da palavra somos o público-alvo do padre Antônio Vieira nessa belíssima exortação à Verdade.
Aliás, difícil explicar nestas poucas linhas a beleza da prosa do Pe. Vieira. E nem se eu dispusesse de cem mil linhas acho que seria capaz de expressar todo o deleite que se sente ao vê-lo manipular o idioma. É simplesmente encantador e mais convincente do que qualquer outro texto que eu tenha lido sobre a responsabilidade e os deveres de quem fala/escreve para as multidões.
A respeito disso, o recado do padre Antônio Vieira para todos nós que nos manifestamos por crônicas, artigos, reportagens, comentários, tuítes, mensagens de WhatsApp e até sentenças judiciais (viu, Alexandre de Moraes?!) é bem claro: tão importante quanto não se deixar corromper é nunca, jamais, em hipótese nenhuma amenizar o impacto da Verdade só para agradar a plateia. Sermão bom, diz o sacerdote já no final do texto, é aquele que incomoda e que, porque incomoda, permite que a semente germine.
Desde que li o “Sermão da Sexagésima”, tenho prestado mais atenção à forma como todos os pregadores contemporâneos usamos a palavra. E o cenário é lastimável, porque a tal da “economia da atenção” muitas vezes exige que flexibilizemos a Verdade a fim de torná-la mais palatável a um público sedento de esperança e validação. Como resistir a isso que é uma necessidade mercadológica, mas também uma tentação? Não sei. Não tenho a menor ideia.
Mas estou obcecado, por assim dizer, em encontrar uma forma de “incomodar com caridade” (isto é, sem se tornar antagonista) um público cansado e muitas vezes deprimido e com raiva do mundo e das pessoas que o cercam. Rola até uma espécie de paralisia que, espero, seja passageira. E será, porque sei que muitas vezes vou errar na forma e no tom, mas o que importa é a retidão de intenção. (Dizem).
O que mais me tirou do prumo no “Sermão da Sexagésima”, porém, nem foi esse puxão de orelha do padre. Foi constatar, não pela primeira nem pela última vez, que a natureza humana é a mesma desde sempre. Há os mentirosos e os que, por medo de desagradar, propagam uma versão distorcida da Verdade. Há os que ouvem e os que se recusam a ouvir. E há os que mentem tanto que acabam acreditando nas próprias mentiras.
Daí porque o texto é tão atual nesta época de balbúrdia. No final das contas, não somos especiais por vivermos no tempo da comunicação instantânea, dos memes e das ideias que num átimo viralizam e desaparecem. Foi essa a constatação que me destruiu, que fez um estrago. Que quase (quase!) me paralisou. Porque sou tolo e confesso que acreditava que nos últimos três séculos o ser humano tinha melhorado um tiquinho. Bom, agora é esperar cicatrizar a boa chaga. Só espero que não demore e principalmente que a ferida não infeccione.