Economia
A crise entre servidores e Márcio Pochmann no IBGE
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1 dia agoon
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A crise entre os servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e seu presidente, Márcio Pochmann, está comprometendo a imagem do órgão e contribuindo para o desgaste do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A repercussão do caso levou o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), a solicitar ao Tribunal de Contas da União (TCU) que apure “possível gestão temerária” de Pochmann e avalie seu afastamento cautelar da presidência do IBGE.
A ideia, segundo Marinho, é “resguardar o IBGE e seus trabalhos de coleta de dados e de pesquisas” e evitar prejuízos à credibilidade do IPCA, principal índice de inflação do país. Para o senador, a “incapacidade” de Pochmann de resolver o impasse com servidores e diretores poderá “comprometer e contaminar” as pesquisas do órgão.
O embate se arrasta desde setembro, quando servidores denunciaram falta de diálogo da presidência. O pomo da discórdia foi a Fundação IBGE+, de caráter público-privado, que segundo eles foi criada por Pochmann “de forma sigilosa e sem consulta aos servidores, em julho de 2024”.
O estatuto da nova entidade permite a realização de trabalhos para organizações públicas e privadas, o que levou a fundação a ser apelidada de “IBGE paralelo”. Servidores apontaram perda de autonomia da gestão e de credibilidade do trabalho desenvolvido pelo instituto. Pochmann defendeu a iniciativa, que busca captar recursos para o órgão de outras fontes, como estatais e bancos públicos.
Desde então, o conflito vem escalando, com críticas e acusações recíprocas.
“Nós entendemos, como trabalhadores, que se o orçamento não é suficiente, ele [Pochmann] deveria acionar o presidente da República ou o Parlamento para conseguir mais recursos”, afirma Paulo Lindesay, do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (Assibge).
“A fundação abre a possibilidade de que o IBGE possa captar dinheiro privado e, quando você capta dinheiro privado, abre uma possibilidade de ter uma interferência externa, uma coisa que nós, servidores, não vamos admitir nunca”, diz.
Gestão Pochmann vive escrutínio desde sua indicação
A desconfiança em relação à Fundação IBGE+ atinge em cheio o Palácio do Planalto. Desde que Lula indicou o aliado à presidência do IBGE, em julho de 2023, o órgão vive sob escrutínio público. A indicação foi feita sem o conhecimento da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que afirmou desconhecer o economista.
Pochmann, nome orgânico do Partido dos Trabalhadores (PT), esteve à frente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2007 e 2012. Lá acumulou críticas e denúncias de aparelhamento e ingerência em estudos do órgão.
Sua indicação para o IBGE foi duramente criticada e levantou o temor de que ele pudesse interferir na produção de estatísticas do instituto. Na época, Edmar Bacha – que presidiu o instituto nos anos 1980 e é um dos “pais” do Plano Real – disse que Pochmann tem “uma visão totalmente ideológica da economia” e que não teria problema em colocar o IBGE a serviço dessa ideologia.
Na mesma ocasião, a economista Elena Landau afirmou que Pochmann é “uma pessoa que não entende de estatística, não tem preparo para a presidência do IBGE e não tem nada a ver com a linha da equipe econômica do Ministério do Planejamento”. Landau foi responsável pelo programa econômico de Tebet em 2022.
Lula defendeu sua escolha. “Não é aceitável as pessoas tentarem criar uma imagem negativa de uma pessoa da qualificação do Marcio Pochmann […] Escolhi porque confio na capacidade intelectual dele. É um pesquisador exímio”, disse o presidente na época.
Embora considerados confiáveis por especialistas, os dados de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), calculados pelo IBGE, são frequentemente alvo de questionamentos de oposicionistas das redes sociais.
Segundo Lindesay, o sindicato não quer estimular a desconfiança, mas está empenhado em preservar a confiabilidade do instituto. “A criação da Fundação IBGE+ nem chegou a passar pelo Conselho Diretor”, destaca. “Houve essa grita total, inclusive da cúpula, por não concordar com a política implementada por Pochmann”, diz.
No início do mês, os titulares da Diretoria de Pesquisas do IBGE, a mais importante do instituto, pediram exoneração dos cargos. Elizabeth Hypólito, então diretora, e João Hallak Neto, diretor-adjunto, alegaram falta de interlocução com a presidência.
Na quinta-feira (23), o IBGE confirmou a saída de duas titulares da Diretoria de Geociências, Ivone Lopes Batista, diretora, e a diretora-adjunta, Patrícia do Amorim Vida Costa. Elas já haviam pedido exoneração, mas aguardaram a nomeação dos substitutos.
IBGE rebate e fala em “desinformação”
Em meio às demissões, o instituto divulgou comunicado rebatendo as críticas recebidas de servidores e alegou que a Fundação IBGE+ é “alvo de forte campanha de desinformação por, possivelmente, evidenciar conflitos de interesses privados existentes dentro do IBGE”.
“A difusão e repetição constante de inverdades a respeito do IBGE exige posicionamento firme e esclarecedor sobre a realidade dos fatos. São condenáveis os ataques de servidores e ex-servidores, instituições sindicais, entre outros, que têm espaço na internet e em veículos de comunicação para divulgar mentiras sobre o próprio IBGE”, declara o comunicado de Pochmann.
Em resposta, numa carta aberta assinada por 136 servidores, a administração Pochmann foi acusada de ter viés “autoritário, político e midiático” e de “desrespeito ao corpo técnico da casa”.
Neste cenário, o diretor do sindicato diz que a entidade vem sofrendo retaliações. Na semana passada, o Assibge recebeu uma notificação extrajudicial em que a gestão Pochmann afirma que os servidores não podem usar a sigla no nome da organização sindical. Pochmann também pediu um levantamento de todas as áreas ocupadas pela entidade nos prédios da instituição.
“Nós fomos autorizados pelas administrações durante anos, décadas, por um acordo de comodato”, afirma Lindesay. “Não caímos de paraquedas. Nunca esperávamos uma atitude antissindical de alguém que teve tanto contato com o movimento.”
Pochmann pede que MPF investigue servidores
Na sexta-feira (24), Pochmann dobrou a aposta e comunicou ter solicitado ao Ministério Público Federal (MPF) a investigação de supostas irregularidades e conflitos de interesse cometidos por servidores do órgão.
A apuração envolve a Science, entidade associativa privada que estaria utilizando, em 2024, a estrutura da Escola Nacional de Ciências Estatísticas.
Para o sindicato, o comunicado de Pochmann se aproxima do crime de “difamação”: “De modo geral, não há nenhum elemento na documentação divulgada que relacione alguma possível irregularidade”.
Em resposta, servidores prometem organizar protestos em diversas capitas. Na quarta-feira (29), uma manifestação acontecerá em frente à sede do instituto do Rio de Janeiro.
Procurados pela Gazeta do Povo, IBGE e Ministério do Planejamento – ao qual o órgão é vinculado – não se manifestaram.
Nesta segunda-feira (27), em nota à imprensa, o ministério citou a autonomia administrativa do IBGE, mas disse que “acompanha os desdobramentos no órgão e mantém aberto um canal de diálogo com seus representantes.”
Crise arranha imagem do IBGE
Para o economista Sérgio Vale, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), a crise do instituto é mais um “estresse” para o governo num momento já “delicado”.
“[O governo] teve a dificuldade do Pix, o problema fiscal que segue negando e a questão comercial com os Estados Unidos que vai entrar agora”, elenca. “É mais uma entre as frentes de batalha pra encarar.”
Para ele, existe uma perda de imagem do IBGE e do governo, “apesar de não haver comprometimento na estrutura do órgão para produção de estatísticas”. “Os dados do IBGE são confiáveis, o que tem hoje lá é uma questão administrativa do Pochmann com o resto da diretoria, que não é ouvida”, diz.
Outro problema, segundo ele, é saber exatamente o que o presidente pretende com a Fundação IBGE+. “Qual vai ser a função dela, para que que ele tá sendo criada?”, questiona. “Um órgão que eminentemente precisa produzir respostas para o setor público, você vai usar esses funcionários para produzir recursos para o setor privado?”
Vale ressalta que a existência do impasse não significa que haja interferência nos dados apurados pelo IBGE.
“Se acontecesse, isso vazaria muito facilmente, como a gente já viu acontecer no passado na Argentina, na gestão Kirchner, por exemplo”, afirma. “Não é o nosso caso. Hoje o IBGE tem um corpo técnico bastante antigo e qualificado.”
PIB é estimado por outras instituições
O cálculo oficial do PIB cabe ao IBGE, mas outras instituições buscam medir a atividade econômica e a produção de riquezas. É o caso do Banco Central, responsável pelo Índice de Atividade Econômica (IBC-BR), e da Fundação Getulio Vargas (FGV), que produz o Monitor do PIB, um dos que mais se aproximam dos índices medidos pelo IBGE.
A economista Juliana Trece, coordenadora do Monitor do PIB, explica que a metodologia adotada é a mesma das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE. Mas, além de informações do instituto, a FGV utiliza dados públicos de várias instituições que podem ser replicados para outras medições.
“O objetivo do monitor do PIB é tentar fazer essa mensuração do PIB de forma mensal”, explica. “O IBGE acaba tendo base de dados obviamente maior, por isso ocorrem algumas diferenças.”
Para ela, a manipulação de dados do PIB por parte do IBGE é muito pouco provável. “Se a gente só tivesse, por exemplo, o IBGE, eu acho que seria mais fácil, porque o que ele falasse seria considerado verdade”, afirma.
“Como você tem o Banco Central, que está há anos fazendo o IBC-BR, o próprio Monitor do PIB, que também já está há bastante tempo fazendo a própria expectativa, e ainda as projeções do mercado financeiro pelo Focus, fica muito difícil. Tá todo mundo olhando”, diz a economista.
Trace também destaca o volume de informações a ser considerada. “As informações das contas nacionais são a junção de uma enorme base de dados, com processos de transformações que quase impossibilitam qualquer modificação”, acrescenta. “A parte técnica do IBGE é muito boa e tem um conhecimento muito profundo de tantos processos. É muito difícil a manipulação de dados nessa área.”