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18 horas agoon
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Presidente norte-americano abre a porta para usar a cassação de direitos adquiridos com o objetivo de implementar sua agenda anti-imigração e atingir adversários políticos. ‘Vamos ter que dar uma olhada nisso’, diz Trump sobre possibilidade de deportar Elon Musk
É fato a determinação do governo dos EUA, sob o comando de Donald Trump, de usar a retirada da cidadania de imigrantes naturalizados como instrumento de repressão.
Numa decisão que remonta ao obscuro período do macarthismo, o Departamento de Justiça vai priorizar a desnaturalização civil de cidadãos que cometeram crimes, de acordo com um memorando publicado em junho passado.
Mas não basta ser infrator para ter a cidadania em risco, de acordo com o presidente dos EUA. Trump frequentemente joga estas ameaças no ar, referindo-se aos naturalizados, que adquiriram direitos plenos como americanos, como cidadãos de segunda classe.
Fez isso com o ex-aliado e atual desafeto Elon Musk e com o candidato democrata à prefeitura de Nova York Zohran Mamdani, a quem cogitou a desnaturalização e, por consequência, a deportação.
O processo não é tão simples como alardeia Trump. Há uma decisão da Suprema Corte, de 1967, que considerou a desnaturalização inconstitucional e inconsistente com a democracia americana.
“A cidadania não é uma ninharia que possa ser posta em risco a qualquer momento em que o Congresso decida fazê-lo em nome de uma de suas concessões gerais ou implícitas de poder”, afirmou o juiz Hugo Black, em suas considerações.
As exceções para a desnaturalização são verificadas apenas para os que obtiveram a cidadania por meio fraudulentos e mentiram sobre o histórico.
A Suprema Corte interveio, na época, para sustar os processos aplicados na era McCarthy, que perseguia simpatizantes do comunismo, durante a Guerra Fria, e usava a desnaturalização como ferramenta política.
Mais de 22 mil americanos perderam a cidadania entre 1906 e 1967, mas depois da decisão histórica do mais alto tribunal dos EUA, o número retrocedeu drasticamente e só voltou a crescer no primeiro mandato de Trump.
O presidente Trump faz uma saudação durante o desfile do 250º aniversário do Exército dos EUA em 14 de junho
REUTERS/Carlos Barria
O memorando publicado pelo atual governo ultrapassa a determinação de cassar a cidadania de quem a conquistou por fraude e orienta o Departamento de Justiça a aplicar a punição a quem violou a lei ou represente uma ameaça à segurança nacional.
A medida vai ao encontro da agenda anti-imigração de Trump, que busca deportar e deter residentes permanentes legais e cidadãos, além de policiar os direitos de liberdade de expressão dos imigrantes. Desde janeiro, centenas de vistos de estudantes estrangeiros foram revogados pelo Departamento de Estado, por alegações de antissemitismo e críticas à política externa dos EUA.
A ideia de remodelar o sistema de imigração por meio da retirada da cidadania de americanos viola o processo legal e infringe os direitos garantidos pela 14ª Emenda, afirmou a especialista Cassandra Robertson, professora de direito Case Western Reserve University, à emissora NPR. Esta emenda assegura proteção igualitária a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos EUA.
“A desnaturalização agressiva está em desacordo com os princípios constitucionais de cidadania”, acrescentou. Além disso, a medida tem o efeito intimidador para quem busca, por direitos adquiridos, a cidadania americana.
Desde que assumiu o segundo mandato, Trump visa a acabar com a cidadania por direito de nascimento e reduzir programas de refugiados. O foco na desnaturalização é também uma ferramenta para atingir adversários políticos.
O candidato democrata Zohran Mamdani, que venceu as primárias do partido em Nova York, foi escolhido como um dos alvos. Filho de pais indianos, ele nasceu em Uganda e em 2018 tornou-se cidadão americano.
Trump insinuou falsamente que ele poderia estar ilegal no país e sugeriu que sua cidadania poderá ser revista:
“Muita gente está dizendo que ele está aqui ilegalmente. Vamos analisar tudo. E, idealmente, ele acabará se revelando muito menos que um comunista, mas, por enquanto, ele é um comunista.” Ao menos na retórica, o presidente americano reabre e escancara a porta para a era macabra do macarthismo.