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Transição verde ganha contornos mais pragmáticos no setor financeiro, diz diretora do Itaú | ESG
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5 horas agoon
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A diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, Luciana Nicola, voltou da New York Climate Week, em setembro deste ano, com a percepção de que a agenda climática não perdeu tração — mas mudou de estágio. Segundo ela, a percepção dominante entre bancos internacionais é que o risco climático “já está precificado” e deixou de ser tratado apenas como tema reputacional ou de longo prazo.
“Não estamos falando de uma agenda de futuro, é uma agenda de presente. Eventos extremos já impactam diretamente a alocação de capital. O sistema financeiro olha para isso como um tema de perenidade de negócio”, afirma Luciana, em entrevista ao Prática ESG.
Apesar do aumento no número de novas NDCs — compromissos nacionais de descarbonização —, a média de ambição ainda aponta para um aquecimento global de 2,7 ºC, distante do limite ideal de 1,5 ºC. “Foi uma acomodação, não um retrocesso. A agenda não perdeu tração, mas ganhou um tratamento mais pragmático diante do cenário geopolítico”, resume, ao destacar que há um amadurecimento técnico na discussão.
Na entrevista, a executiva afirma que a agenda climática, mesmo com desafios e instabilidade geopolíticos, “não parece ter perdido tração. O que houve, em sua opinião, foi uma “acomodação” de como o tema vai ser discutido daqui para frente, dado esse cenário geopolítico complexo. Para ela, essa visão pragmática de risco permite aos bancos alocar capital de forma estratégica, equilibrando dois objetivos: mitigação de riscos e busca por aoportunidades de descarbonização.
Entre as oportunidades, ela cita o financiamento de operações que olhem para a descarbonização e para a transformação de setores e produção mais resilientes a mudanças do clima. “Aí entra uma discussão mais profunda sobre o que financiar, como alocar capital, qual a inovação financeira que precisamos e quais instrumentos; ou seja, esta é uma discussão para a COP”, diz Nicola.
No financiamento sustentável, o banco vem apostando, assim como outras instituições financeiras, em instrumentos nacionais como o Eco Invest, programa do governo voltado para atração de investimentos para a transição verde. “A discussão do Eco Invest, principalmente esse último leilão de recuperação de áreas degradadas, mostra um incentivo alinhado da política pública para a agenda da oportunidade”, diz Luciana. Só no segundo leilão, o banco disponibilizou R$ 4 bilhões para financiar o programa. No primeiro leilão, o desembolso inclui R$ 1,6 bilhão para a Sabesp, com impacto esperado para 1 milhão de pessoas, além de operações para EGEA e Volkswagen.
“Esse tipo de investimento de descarbonização, com as boas práticas, dificilmente aconteceria sem o incentivo do Eco Invest na taxa de juros atual”, afirma. No segundo leilão, o programa ampliou a atuação para outros biomas, incluindo a Caatinga, oferecendo oportunidade para investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e novas modalidades de cultivo.
A atuação do Itaú na restauração florestal e agricultura regenerativa é feita no âmbito do Reverte, programa em parceria com a empresa de defensivos agrícolas e soluções para o agro Syngenta. Ao todo, R$ 1,9 bilhões já foram aportados na recuperação de 264 mil hectares degradados. O programa combina crédito de médio e longo prazo com assistência técnica aos produtores, taxa de juros reduzida e incentivos para produtividade, segundo Luciana. A linha oferece financiamento com prazo de até 10 anos e período de carência de até três anos.
A executiva reforça ainda que arranjos financeiros inovadores são fundamentais. “Não é só sobre taxa, sobre carência, é sobre arranjos e como a gente se junta a outros players, que são os líderes desse ecossistema, parceiros que têm mais conhecimento, para mitigar risco e dar mais tração.”
Além do crédito, o banco desenvolveu linhas customizadas voltadas a certificações agrícolas, bioinsumos e painéis solares, com foco em práticas regenerativas e aumento de produtividade. “Hoje, nessa prateleira, a gente já tem certificações, ou seja, linha de crédito para ajudar os produtores a tirarem certificações, o que melhora a produtividade e traz práticas mais sustentáveis.” Entre as linhas, destaque para técnicas que retêm carbono no solo e mantêm biodiversidade, como plantio de graminhas entre colheitas.
O banco também desenvolveu linhas customizadas voltadas a certificações agrícolas, bioinsumos e painéis solares, com foco em práticas regenerativas e aumento de produtividade. “Hoje, nessa prateleira, a gente já tem certificações, ou seja, linha de crédito para ajudar os produtores a tirarem certificações, o que melhora a produtividade e traz práticas mais sustentáveis.”
No total, apenas quatro linhas do portfólio agro — certificações, cobertura vegetal de solo, bioinsumos e painéis solares — já superaram R$ 4,2 bilhões desembolsados. Luciana destaca que a visão de stakeholders é importante.
Segundo a executiva, essa abordagem, baseada em crédito altamente customizado , serviços escaláveis, e suporte técnico integrado a quem recebe o recurso, tende a ser a nova lógica dominante do financiamento climático a partir de agora — e não produtos genéricos de prateleira. “Quando você entende qual é a necessidade da ponta e customiza linhas, com tese validada, officer [funcionário do banco] treinado e suporte técnico, escala muito mais rápido”, explica.
Mais do que crédito, o banco vê um novo padrão de desenho de solução público-privada. “Você traz a academia para comprovar impacto, organizações para implementação, e muda o ecossistema inteiro. Por isso que tem muito interesse internacional hoje em ampliar capital para o Brasil.”
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Eixos prioritários para a COP30
Para a executiva, a Climate Week reforçou a importância dos dois eixos prioritários que o banco vai levar à COP30: agricultura regenerativa e resiliente, e financiamento climático. “Foi importante ouvir porque os dois grandes temas que a gente quer fomentar o debate na C.A.S.E, na nossa casa e na Blue Zone, é sobre a agricultura resiliente e regenerativa e o financiamento climático. A gente entende que é isso que vai escalar.”
O banco pretende levar o case do programa Reverte para a COP30 como forma de exemplificar as práticas de agricultura regenerativa que podem servir de referência para outras culturas, outros setores carbono intensivos e outros países. Também participa do C.A.S.E – Climate Action Solutions & Engagement, iniciativa em parceria com Bradesco, Itaúsa, Natura, Nestlé e Vale, e que vai selecionar e apresentar soluções climáticas brasileiras já existentes com foco em escala internacional. “O Brasil tem soluções prontas. A disputa agora é por escala e narrativa global”, comenta.
A forte atenção dada à agricultura regenerativa em eventos ao longo do ano e que possivelmente também será visto na COP30 é um destaque positivo. “O mundo olha para o Brasil não apenas pela urgência climática, mas também pela segurança alimentar. Há um claro reconhecimento da nossa capacidade de adaptação tecnológica no campo”, afirma.
Outra frente importate é a de oferta de produtos e serviços a regiões afetadas por eventos climáticos extremos. “Ao fazer isso, você vai capturar oportunidades que não só reduzem o risco, ou seja, de inadimplência, risco de problema financeiro sistêmico, mas também você começa a criar novos mercados, você tem uma economia mais resiliente, você tem geração de emprego, você também ajuda a fortalecer os municípios”, explica. Após desastres no Rio Grande do Sul, por exemplo, no primeiro semestre de 2024, o banco aportou R$ 23 milhões em apoio filantrópico, focados na reconstrução de casas adaptativas, suporte a empreendedores e infraestrutura local.
Um trilhão em finanças sustentáveis
Entre as metas do banco até 2030, destacam-se transição climática, finanças sustentáveis — com objetivo de R$ 1 trilhão alocado — e diversidade e desenvolvimento, incluindo microcrédito e apoio a mulheres empreendedoras. “Dentro desse um trilhão, até agora a gente já chegou em 503 bilhões destinados”, afirma Luciana. Em finanças sustentáveis, o banco olha com prioridade para fontes renováveis de energia, biocombustíveis, bateriais, saneamento básico, saúde, transporte e mobilidade.
Desse montante, R$ 80 bilhões vieram do varejo, por meio de iniciativas de finanças inclusivas, a exemplo do programa Itaú Mulheres Empreendedoras, que combina crédito, capacitação e network para ampliar impacto social. “Conectamos essas mulheres para elas entenderem um pouco a relação do ecossistema onde ela está inserida, quem é o fornecedor dela, como que ela faz o processo de negociação, como é que ela se organiza e planejamento estratégico”, conta a executiva.
Na dimensão de governança interna, Luciana detalha que o banco conta com mais de 350 colaboradores dedicados a sustentabilidade, além de comitês formais no conselho de administração e comitês executivos para integrar práticas ESG a todas as áreas do banco. Sua diretoria hoje conta com 37 pessoas focadas no tema, mas ela defende que o conhecimento não se concentre na área, mas se espalhe por todas as demais áreas do banco, para que as práticas sejam internalizadas e incorporadas.
Para enfrentar o desafio de engajar o público geral e também como uma ação para a COP30, o banco lançou recentemente uma campanha com a pesquisadora Tamara Klink, que narra a travessia de barco pelas geleiras derretidas e explica, de forma simples, os impactos sistêmicos do aquecimento global. “Ela ensina que as geleiras funcionam como o ar-condicionado da Terra — elas refletem e devolvem o calor. Quando você diminui a quantidade de geleiras, elas não só param de devolver como o oceano começa a absorver esse calor. Você muda o pH, a alcalinidade, afeta toda a dinâmica do ecossistema marinho, cresce o volume da água, começam os alagamentos.”
Luciana ressalta que a campanha alterna narrativas de Tamara com vozes técnicas do banco: “Sempre tem a Tamara trazendo essa perspectiva maior, para que todo mundo consiga captar. E aí eu venho e trago especialistas do banco para falar de agricultura regenerativa, transição energética, educação financeira. A gente fez uma composição entre Tamara e Itaú para falar: todos a bordo. Não é para poucos, é para todos. Isso impacta a vida de todo mundo.”
