Published
2 semanas agoon
By
A adaptação à mudança do clima será um dos temas prioritários da COP30, em Belém, em novembro. Não só: na visão do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, a adaptação climática deve ser vista como “o próximo passo da evolução humana” e um novo flanco de negócios – uma “economia da adaptação”.
A oitava carta da presidência da COP30, divulgada nesta quinta-feira (23), subverte a percepção que se construiu ao longo das últimas três décadas de que adaptação é algo de cunho local e não global. “A aceleração dos eventos climáticos colocou a adaptação dentro de uma nova lógica econômica que é a mesma lógica econômica da mitigação”, diz ele. Corrêa do Lago assinala que a atração de investimentos depende, atualmente, também de estratégias de adaptação. “Grandes empresas querem investir em locais onde haja adaptação. A adaptação é um elemento importante agora para atrair investimentos.”
“Mitigação e adaptação, não são uma coisa ou outra. São complementares”, disse Ana Toni, diretora-executiva da COP30, a jornalistas. “A COP30 dará mais prioridade ao tema”, seguiu.
Países menos desenvolvidos têm a demanda de triplicar o financiamento para adaptação ou implementar o que já foi prometido: duplicar recursos anuais de US$ 20 bilhões para US$ 40 bilhões, um fluxo dos países ricos aos em desenvolvimento.
É uma quantia praticamente irrelevante. Ana Toni lembra que o mais recente relatório sobre a lacuna de adaptação, Gap Report, que o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) publica anualmente, identificou um déficit de recursos que era estimado, em 2023, em US$ 366 bilhões anuais para resiliência dos países. “Mas o problema não é só o número. Precisamos de mecanismos, de acesso, de instrumentos. Recursos públicos são centrais. O esforço é chegar a números críveis e aumentar o financiamento”, resumiu.
Para o embaixador, “há sempre uma preocupação dos países em desenvolvimento com a ideia de privatização do financiamento para mudanças do clima. A discussão entre o que é público e privado é central. Recursos públicos têm que ser a maior parte na adaptação”.
“A adaptação é tão vital para a proteção das economias quanto para a preservação das vidas humanas”, diz a carta.
Desastres climáticos custam à África entre 2% e 5% do PIB a cada ano. Nas pequenas nações insulares, “um único furacão pode comprometer décadas de progresso, como demonstrou a devastação causada pelo Ciclone Freddy em partes do Oceano Índico e do Caribe. Nos Países Menos Desenvolvidos (LDCs), as secas e enchentes recorrentes – do Sahel ao Chifre da África e ao Sudeste Asiático – comprometem a segurança alimentar, pressionam as finanças públicas e revertem conquistas de desenvolvimento arduamente alcançadas”, continua o texto.
“Sem adaptação, a mudança do clima se torna um multiplicador da pobreza”, diz a carta.
Dados inéditos do Índice Global de Pobreza Multidimensional de 2025, publicados há poucos dias pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e que revelaram que 1,1 bilhão de pessoas, de um total de 6,3 bilhões em 109 países, vivem em pobreza multidimensional aguda – mais da metade delas crianças. Desses 1,1 bilhão, 887 milhões vivem em regiões que já enfrentam ao menos um grande risco climático, e 309 milhões enfrentam três ou mais riscos simultaneamente. “A empatia nos obriga a perceber as vidas humanas por trás desses números – pequenos e microempreendedores perdendo seus negócios e sonhos, famílias deslocadas por enchentes, agricultores vendo seus campos secarem, crianças caminhando quilômetros em busca de água.”, diz a carta.
O presidente da COP30 diz no texto que, nas viagens que fez ao longo deste ano a vários países ouviu uma mensagem única: “Um apelo por urgência e por resultados concretos em adaptação na COP30”.
O financiamento para adaptação, apesar de compromissos recorrentes, representa menos de um terço do financiamento climático.
“A falta crônica de investimentos deixa os países vulneráveis, obrigando-os a desviar recursos escassos da saúde, da educação e da infraestrutura para respostas emergenciais e ações de recuperação. O desequilíbrio entre mitigação e adaptação enfraquece a resiliência coletiva e perpetua desigualdades estruturais”, diz a carta.
Corrêa do Lago, na carta, distingue as necessidades de países ricos e pobres. “Para os países desenvolvidos, o financiamento da adaptação é um investimento inteligente, que gera estabilidade global e benefícios domésticos. Para os países em desenvolvimento, a adaptação traz resultados capazes de atrair investimentos e evitar custos muito maiores no futuro: salva vidas, protege empregos, resguarda a infraestrutura e reduz desigualdades. Além disso, prepara esses países para esforços sólidos de mitigação”.
O tema terá prioridade, também, no relatório sobre o caminho para o US$ 1,3 trilhão, que ele prepara com o presidente da COP29, Mukhtar Babayev.
A carta dá algumas ideias de como se podem explorar abordagens inovadoras para recursos para adaptação. Garantias e financiamento misto para reduzir riscos dos investimentos e atrair capital para infraestrutura resiliente, sistemas alimentares e segurança hídrica, por exemplo.
“Títulos de resiliência soberanos e subnacionais, trocas de dívida por resiliência e seguros contra perdas e danos aliviam pressões fiscais e aceleram a recuperação; financiamentos baseados em resultados e fundos rotativos aumentam a responsabilização e garantem impactos duradouros. Plataformas nacionais e Planos de Prosperidade Climática ajudam a alinhar investimentos às estratégias nacionais. Bancos multilaterais de desenvolvimento, instituições nacionais de desenvolvimento e fundos climáticos desempenham papéis centrais na aplicação desses instrumentos e no seu alinhamento com as prioridades nacionais”.