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Por trás de decisões que fragilizam instituições como APAEs e Pestalozzis, existe uma ideologia com nome nobre — “inclusão total” — que, na prática, exclui quem mais precisa de apoio: alunos com deficiências severas. Para muitos deles, essas instituições representam a única oportunidade real de acesso à educação e ao desenvolvimento.
Nos últimos anos, essas entidades vêm sendo alvo de uma série de ataques, que vão desde ações judiciais até um recente decreto do governo Lula que enfraquece o repasse de recursos e dificulta o acesso a elas.
O decreto 12.686, que institui a Política Nacional de Educação Especial e Inclusiva, impedirá que as famílias possam matricular seus filhos com deficiência no ensino especializado. O decreto de Lula contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que prevê atendimento educacional especializado “preferencialmente na rede regular de ensino” (Art. 4, inciso III). A retirada do termo “preferencialmente” transforma essa diretriz em obrigação, forçando a matrícula de todos os alunos com deficiência em escolas comuns.
“Essa perspectiva de inclusão total é uma mentira que nos foi contada, porque nenhum país no mundo excluiu a escola especializada de seu sistema de educação inclusiva. O movimento apaeano é a favor da inclusão, mas sempre haverá aquele estudante com necessidades específicas em virtude da gravidade, da deficiência, que vai precisar da escola especializada”, destaca Luiz Fernando Zuin, doutor em Educação Especial pela UFSCar.
As investidas do Ministério da Educação (MEC) contra o modelo especializado não são novidade. A pasta chegou a divulgar, em seu site oficial, a meta de ampliar para mais de 2 milhões o número de matrículas de alunos com deficiência em classes comuns, sendo “100% das matrículas” até 2026. Atualmente, a página que constava essa informação está fora do ar.
Outro exemplo dessa tendência do MEC foi a demora para homologar um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) que previa atendimento especializado para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Grupos da esquerda, contrários a qualquer tipo de intervenção técnica para alunos com necessidades especiais, pressionava a pasta para rejeitar o parecer 50, que prevê medidas como a necessidade de um acompanhante técnico em sala de aula e a elaboração de um plano educacional individualizado (PEI) nas escolas. Para a cúpula ideológica do MEC, não deve haver qualquer tipo de adaptação para esses alunos. Após muitas negociações e ajustes no texto, a homologação só ocorreu em novembro de 2024, quase um ano depois da aprovação do documento no CNE.
“O MEC e a sua equipe de ideólogos, responsáveis por esses projetos, nunca entraram em uma APAE, uma Pestalozzi ou uma escola de autistas. Eles não conhecem a realidade da pessoa com deficiência e acham que podem jogar todo mundo no mesmo espaço”, declara Jarbas Feldner, presidente da Federação Nacional das APAEs.
Segundo Felner, no Brasil, as entidades atendem mais de 1,7 milhão de pessoas por dia nas áreas de assistência, educação e saúde. “Nós ofertamos serviços, todos os dias, não apenas para pessoas com deficiência, mas para as próprias famílias. Isso sem nenhum custo, é tudo gratuito. O nosso trabalho é totalmente doado”, reforça.
No Supremo Tribunal Federal (STF), tramita a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7796, que contesta duas leis estaduais do Paraná que garantem recursos públicos a APAEs e pode servir de jurisprudência para casos similares.
As normas em disputa são a lei estadual do Paraná 17.656/2023 e a Lei 18.419/2025, que institui o “Estatuto da Pessoa com Deficiência no Estado” e possibilita a designação de servidores para apoio técnico em escolas de educação especializada. A Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, autora da ação, argumenta que essas legislações são segregadoras, por oferecerem alternativas à escola regular inclusiva.
“Se o estudante ou sua família puder optar por estar na classe ou escola especial ou bilíngue, como alternativa à escola regular inclusiva, não há inclusão na acepção da palavra. O que está ocorrendo é segregação! Não existe inclusão parcial. Se algum aluno, por qualquer motivo, estiver fora da escola regular, ele está excluído dela”, afirma a petição inicial.
Zuin rebate que essas acusações não se sustentam, pois elas apenas oferecem espaços de atenção integral à pessoa com deficiência. “Estudantes com prejuízos significativos no comportamento adaptativo ou nas habilidades sociais e práticas precisam de ambientes estruturados para sua aprendizagem. E quem hoje oferece isso, com 100% da equipe especializada, são as escolas especiais”, complementa.
No Senado Federal, a PEC 52/2023 propõe incluir o princípio da educação inclusiva em todos os níveis na Constituição. Segundo Zuin e Feldner, o texto original coloca em risco o trabalho das instituições especializadas. Articulada por grupos que aderem à “inclusão total”, a proposta chegou a ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. O senador Sérgio Moro (União-PR) e outros 31 parlamentares apresentaram uma emenda para garantir o trabalho das entidades. A emenda aguarda apreciação desde maio.
“Os nossos alunos das APAEs são os mais comprometidos e não têm condição de estar em escolas regulares. Quem defende essa ideologia de inclusão total não conhece a realidade das pessoas com deficiência e de suas famílias. Acreditam em teorias sem evidência científicas de que vão funcionar”, afirma Feldner.
O movimento apaeano também têm atuado na garantia de seus serviços no novo Plano Nacional de Educação (PNE), que definirá as diretrizes educacionais para os próximos dez anos. A APAE Brasil apresentou seis propostas de emenda, incluindo a garantia de escolas especializadas quando esgotadas as possibilidades de inclusão na rede comum, além do financiamento dessas instituições. O parecer está em elaboração pelo deputado Moses Rodrigues (União-CE), relator da proposta.
“Por mais que gostaríamos que o ensino regular atendesse a todos, essa não é a realidade do Brasil hoje”, defende o deputado federal Diego Garcia (Republicanos-PR). “A educação inclusiva não pode ser confundida com uniformização forçada. Incluir é oferecer oportunidades conforme as necessidades de cada pessoa — não eliminar instituições que atendem quem o sistema regular não alcança. O que se precisa é de parceria, não de perseguição”, completa.
Zuin reforça que as instituições estão atentas às ameaças à educação especializada. “Essas investidas vão nos asfixiando aos poucos, quando inviabilizam a escola especializada ou a silenciam nos documentos oficiais”, alerta.