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O secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, embaixador Philip Gough, condenou, em discurso apresentado na Organização Mundial de Comércio (OMC) nesta quarta-feira (23), tarifas “arbitrárias”, anunciadas e “implementadas de forma caótica”.
O representante brasileiro, porém, não cita diretamente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A nove dias da data prevista para a implementação do “tarifaço” anunciado pelo republicano, o governo defende que não pretende sair da mesa de negociações.
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Uma intervenção na OMC está entre as medidas cogitadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na tentativa de conter a implementação das tarifas de 50% sobre exportações brasileiras em território americano.
O presidente também já afirmou que avalia reagir com a Lei da Reciprocidade Econômica, e reagir com tarifas semelhantes, caso as medidas de negociação não se mostrem eficazes. O governo enxergou nas medidas uma tentativa de intervir na soberania do país.
No discurso desta quarta, o enviado do governo brasileiro destacou que tais medidas “estão interrompendo as cadeiras de valor globais e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação”.
Além disso, sanções unilaterais desse tipo “equivalem a uma violação flagrante dos princípios fundamentais que sustentam a OMC e são essenciais para o funcionamento do comércio internacional”.
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Getty Images via BBC
Uso de tarifas como ameaças
O embaixador Philip Gough também afirmou que, além das violações “generalizadas” a regras do comércio internacional, estamos “testemunhando uma mudança extremamente perigosa em direção ao uso de tarifas como uma ferramenta nas tentativas de interferir nos assuntos internos de outros países”.
“Continuaremos a priorizar soluções negociadas e a confiar em boas relações diplomáticas e comerciais. Caso as negociações fracassem, recorreremos a todos os meios legais disponíveis para defender nossa economia e nosso povo – e isso inclui o sistema de solução de controvérsias da OMC”.
Na visão do Ministério das Relações Exteriores, negociações baseadas em “jogos de poder” são atalhos perigosos para a instabilidade e contextos de guerra.
“Diante da ameaça de fragmentação, a defesa consistente do multilateralismo é o caminho a seguir. Ainda temos tempo para salvar o Sistema Multilateral de Comércio. O Brasil continua pronto para discutir e cooperar nesse objetivo”, prossegue.
Veja o discurso na íntegra:
“Senhor Presidente, Senhora Diretora-Geral, Prezados colegas,
O Brasil sempre foi um defensor engajado e firme do Sistema Multilateral de Comércio.
Oito décadas se passaram desde a criação das Nações Unidas e a construção do sistema GATT/OMC, e neste ano a OMC celebra seu 30º aniversário.
Infelizmente, neste exato momento, estamos testemunhando um ataque sem precedentes ao Sistema Multilateral de Comércio e à credibilidade da OMC.
Tarifas arbitrárias, anunciadas e implementadas de forma caótica, estão desorganizando as cadeias globais de valor e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de altos preços e estagnação.
Tais medidas unilaterais constituem uma violação flagrante dos princípios centrais que sustentam a OMC e que são essenciais para o funcionamento do comércio internacional.
Essas medidas levantam questões fundamentais relativas à não discriminação e ao tratamento da nação mais favorecida, e correm o risco de comprometer a coerência jurídica e a previsibilidade do sistema multilateral de comércio.
Elas também desestabilizam o equilíbrio das condições de acesso a mercados negociadas ao longo de várias décadas nos marcos do GATT e da OMC.
Juntamente com as ações deliberadas que resultaram na paralisação do sistema de solução de controvérsias da OMC, essas medidas correm o risco de permitir que o comércio global volte a ser regido por dinâmicas de poder, criando desequilíbrios em detrimento particular dos países em desenvolvimento.
Para além das violações generalizadas das regras do comércio internacional — e ainda mais preocupante —, estamos agora testemunhando uma mudança extremamente perigosa rumo à utilização de tarifas como instrumento de tentativa de interferência nos assuntos internos de terceiros países.
Como uma democracia estável, o Brasil tem profundamente enraizados em sua sociedade princípios como o Estado de Direito, a separação de poderes, o respeito às normas internacionais e a crença na solução pacífica de controvérsias.
Continuaremos a priorizar soluções negociadas e a confiar em boas relações diplomáticas e comerciais. Caso as negociações fracassem, recorreremos a todos os meios legais disponíveis para defender nossa economia e nosso povo — o que inclui o sistema de solução de controvérsias da OMC.
Senhor Presidente, Senhora Diretora-Geral,
Neste momento de séria instabilidade, é imperativo que todos trabalhemos juntos em apoio a um Sistema Multilateral de Comércio baseado em regras.
É essencial que a OMC recupere seu papel como espaço onde todos os países possam resolver controvérsias e afirmar interesses legítimos por meio do diálogo e da negociação.
Como afirmou o Presidente Lula em um artigo recente:
“Há uma necessidade urgente de retomar o compromisso com a diplomacia e reconstruir os alicerces de um verdadeiro multilateralismo — capaz de responder ao clamor de uma humanidade temerosa por seu futuro. Só assim poderemos deixar de assistir passivamente ao avanço da desigualdade, ao absurdo das guerras e à destruição do nosso próprio planeta.”
O fracasso em encontrar um caminho que nos leve adiante apenas promoverá uma espiral negativa de medidas e contramedidas que nos tornará mais pobres e mais distantes dos objetivos de prosperidade e desenvolvimento sustentável.
O Brasil estar prontos para começar a trabalhar em uma reforma estrutural e abrangente da OMC. Devemos ir além de atualizações incrementais, para que a Organização possa enfrentar os desafios do presente.
Todos devemos nos engajar nesses esforços. As maiores economias, que mais se beneficiaram do sistema de comércio, devem liderar pelo exemplo e tomar ações firmes contra a proliferação de medidas comerciais unilaterais. As economias em desenvolvimento, que são as mais vulneráveis a atos de coerção comercial, devem se unir em defesa do sistema multilateral de comércio baseado em regras.
Negociações baseadas em jogos de poder são um atalho perigoso para a instabilidade e a guerra. Diante da ameaça de fragmentação, a defesa consistente do multilateralismo é o caminho a seguir.
Ainda temos tempo para salvar o Sistema Multilateral de Comércio. O Brasil continua disposto a discutir e cooperar com esse objetivo.”