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2 semanas agoon
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“Um colega que trabalha bem perto de mim tem alguns hábitos que estão me incomodando bastante. Ele come e bebe na mesa, faz barulho ao mastigar, e o cheiro da comida se espalha pelo ambiente. Sou sensível a ruídos e odores, e isso tem afetado muito minha concentração e meu humor durante o expediente. Já tentei ignorar mas está ficando difícil. O que posso fazer para resolver isso de forma educada e sem criar atrito no ambiente de trabalho?” Pesquisadora, 38 anos
E se eu te disser que o que você relata não é apenas uma questão de etiqueta corporativa, mas uma lacuna de conexão que exige sua atenção imediata? Não me entenda mal. Eu consigo imaginar o quanto isso te incomoda. Para alguns, pode parecer uma bobagem. “É só um colega comendo na mesa”, diriam. Mas, no dia a dia, o que parece pequeno pode corroer lentamente o bem-estar. O incômodo repetido é o que mais desgasta – não é o fato em si, mas o que ele representa.
Grande parte das empresas tem regras para “garantir a boa convivência”. Algumas proíbem comer na estação de trabalho, alegando higiene e foco. Na prática, essas normas também tentam resolver algo que não se soluciona com um memorando: a necessidade de lidar com o outro. É justamente por isso que muitas organizações têm criado cafés, refeitórios e salas de pausa, lugares que parecem sobre comida, mas falam mesmo é sobre convivência.
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Um estudo da Universidade Cornell mostrou que fazer refeições juntos fortalece a produtividade e a coesão da equipe, o mesmo laço existente nos quartéis de bombeiros. Em outras palavras: a refeição é só o pretexto; o que se alimenta mesmo é o vínculo.
O World Happiness Report 2025 corrobora esse aspecto ao apontar que comer acompanhado aumenta a satisfação e as emoções positivas. A mesa, nesse caso, é um espaço de saúde social. E saúde social, convenhamos, é um indicador de desempenho que ainda não entrou no dashboard corporativo.
Mas voltemos ao seu desconforto se não há regra proibindo e, mesmo assim, a presença desse colega te irrita, talvez valha se perguntar: o que exatamente incomoda? É mesmo o cheiro e o barulho? Ou o fato de ele estar ali, tão à vontade quanto você gostaria de estar?
Às vezes, o outro não incomoda pelo que faz, mas pelo que desperta em nós. A raiva pode esconder incômodo; o incômodo pode esconder medo; e o medo pode esconder uma vulnerabilidade. Tudo isso é humano e, também, é material de desenvolvimento.
Essas situações cotidianas são excelentes laboratórios emocionais. Nelas, a gente treina empatia, escuta e tolerância. Soft skills que parecem “intangíveis”, mas definem quem prospera e quem adoece em ambientes de alta pressão.
Entenda: não estou menosprezando sua sensibilidade a cheiros e sons, mas ela é um ótimo ponto de partida para uma conversa franca. E, ainda, um lembrete de que, se queremos empatia, precisamos oferecê-la também, porque convivência não é sobre concordar o tempo todo; é sobre sustentar o diálogo, principalmente quando há atrito.
No fim das contas, toda vez que a gente escolhe o silêncio em vez da conversa, perde-se um pouco mais da chance de evoluir como pessoa, como equipe e como empresa.
Mariana Clark é psicóloga, especialista em saúde mental, perdas e luto no contexto organizacional e escolar.
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Esta coluna se propõe a responder questões relativas à carreira e a situações vividas no mundo corporativo. Ela reflete a opinião dos consultores e não a do Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.