
Time do Royalz BKT posa para foto logo aps o fim do treino
Todas as sexta-feiras, pontualmente s 20h, inclusive nas noites de muito frio na capital paulista, os integrantes do coletivo se renem no Parque da Aclimao para jogar basquete. Os treinos so divididos em dois grupos – de veteranos e iniciantes – e o espao aberto para todes, menos para o preconceito.
– Quando eu vejo a quadra cheia muito gratificante. Eu no imaginava que ia ter esse tipo de representatividade, esse tipo de apoio e nem toda essa visibilidade. Ns estamos acostumados a ficar dentro do armrio, esconder a nossa identidade – contou Jefferson Campos, 32, fundador do projeto e ex-jogador profissional, ao Superesportes.
Preconceito permeia o esporte
De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), com dados de 2021, ocorre uma morte de uma pessoa LGBTQIA+ a cada 29 horas. Isso porque o levantamento aponta uma subnotificao dos dados. Ao todo, foram 276 homicdios no ano retrasado e os gays so metade das vtimas, representando 51% deste total (153 mortes). Segundo o GGB, os homossexuais masculinos so, h quatro dcadas, os mais atingidos pela violncia.
O ambiente esportivo segue a tendncia do preconceito, destilando a homofobia e recriminando a sexualidade de quem no se encaixa no padro heteronormativo. Ainda mais no Brasil, pases que lidera o ranking de homicdios da populao LGBT, raridade encontrar espaos seguros para praticar qualquer esporte, inclusive o basquete.
– Aos 14, 15 anos, eu j tinha plena conscincia da minha sexualidade. E a, vim ao longo da minha carreira, tanto na amadora quanto profissional, vendo amigos meus tendo que deixar as quadras por conta da sexualidade. Alguns resolveram estudar e, depois que saram das equipes, assumiram a homossexualidade. Ento, eu sabia que no basquete isso no seria bem aceito. No esporte de forma geral assim, e o basquete machista e homofbico pra caramba – contou Jeff.
O atual treinador do Royalz BKT passou por diversos clubes de ponta do pas, competiu em pases da Europa, mas sempre se deparou com o dilema da orientao sexual. Por isso, a deciso de criar uma equipe 100% gay veio s depois da aposentadoria. Ao lidar com o trauma de uma grave leso, que o tirou permanentemente das quadras, muitas mudanas aconteceram. Inclusive, o to esperado grito de liberdade.
– O passo de me assumir publicamente foi muito grande. Sa do armrio em um dia dos namorados. Postei uma foto com o Jnior (noivo de Jeff) e foi a que as pessoas realmente souberam que eu sou gay. Fiquei preso no armrio durante toda a minha carreira, ento sair foi libertador – afirmou.
– Com isso, ganhei uma visibilidade legal, porque joguei 14 anos profissionalmente e acaba chamando a ateno, n? Ento, usei essa visibilidade para algo positivo: divulgar o Royalz. Ns comeamos no dia 9 de setembro (de 2022) e, desde ento, s crescemos – acrescentou.

Royalz BKT treina no Parque da Aclimao, em So Paulo, todas as sextas noite
Ser gay e preto no esporte um ato de resistncia
Mauricio, 41, se diverte com as brincadeiras durante os treinos do Royalz. Entre uma cesta e outra, ele faz piada, principalmente quando completa uma boa jogada. No entanto, a naturalidade que conquistou em quadra uma conquista recente. Em outros lugares, ele pensaria duas vezes antes de “dar um close” por medo de retaliaes.
– No esporte gay, s vezes voc no assumido em casa, mas chega nesse espao e poder ser quem voc , tem um significado muito poderoso. Sou assumido h muitos anos, mas tento evitar lugares onde eu possa sofrer preconceito. Jogo vlei desde a adolescncia e tinha muita dificuldade de me envolver com outras modalidades por receio da homofobia. Mas aqui encontrei novos amigos, falando a mesma linguagem, diferente do que a vejo no basquete por a – afirmou reportagem.
Na viso de Maurcio, o preconceito no esporte tambm tem relao com o imaginrio social de que a populao LGBTQIA no tem direito a espaos de sade e bem-estar. Por isso, para ele, o simples fato de entrar em quadra, um ato de resistncia.
– Eu aprendo muito dentro da quadra, claro, mas fora tambm. Ns dividimos histrias, lutas e resistimos juntos. Costumo falar que um corpo preto e LGBT j nasce poltico. Quando pessoas semelhantes se unem para jogar, se divertir e aprender, ns estamos falando para o mundo que ns existimos, sim, e que as pessoas vo cruzar com a gente em quadra gostando ou no – concluiu.
Competio s dentro de quadra
s 21h30 os treinos se encerram com um registro do time. Com os rostos suados, eles posam para a foto com largos sorrisos. Robert, citado no incio deste texto, integrante do time veterano, e admite que o ambiente muito competitivo, mas saudvel.
Por isso, na hora da despedida, faz questo de abraar os companheiros e projetar os prximos confrontos. quase um ritual.
– Dentro da quadra, a gente quer ganhar, claro, mas fora da quadra todo mundo busca a mesma coisa: respeito. Todo mundo aqui luta pelo mesmo objetivo e isso muito gostoso. bom fazer parte disso – disse Robert.