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3 meses agoon
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No ano passado, um estudo americano descobriu que a assistência em dinheiro que não leva em conta condições de classe social ou pobreza — política conhecida como Renda Básica Universal (RBU) — leva os contemplados a trabalharem menos e gastarem mais em entretenimento do que em educação. Ou seja, os críticos da RBU estão corretos.
Este mês, outra análise publicada pela mesma organização de pesquisa em economia, o National Bureau of Economic Research (NBER), com o mesmo time de autores, coloca ainda mais dúvida sobre a eficácia de programas de transferência de renda sem critérios.
Dessa vez, a equipe de pesquisa examinou o impacto da renda básica garantida sobre as famílias e a educação das crianças. “A transferência não afetou a capacidade de ter filhos, a gravidez ou os resultados relacionados à contracepção”, concluíram os estudiosos.
E o mais importante: apesar de os pais que receberam o dinheiro extra terem apresentado uma redução de estresse e sofrimento mental no primeiro ano do programa, “esses efeitos foram de curta duração e se dissiparam no segundo ano da transferência, de forma análoga ao que foi documentado anteriormente com a população total de participantes”.
Os efeitos observados “têm nuance” (mostram sinais positivos em alguns aspectos e negativos em outros, sem um padrão conclusivo), disse uma das autoras do estudo, a economista Eva Vivalt, da Universidade de Toronto (Canadá), na rede social X. Mas as consequências sobre o sucesso escolar “foram na maior parte nulas”. Ela comentou que seria possível contar uma história positiva ou negativa sobre os resultados: aumento nas matrículas escolares em um pequeno grupo de crianças, ou piora das notas delas em matemática.
Ambos os resultados sobre a educação, contudo, não atingiram o limiar estatístico para serem afirmados. O resultado principal, com rigor matemático, é que a transferência não tem efeito nenhum sobre a educação das crianças.
O estudo incluiu três mil adultos de dois estados americanos, entre 21 e 40 anos de idade, com renda relativamente baixa. O corte para inclusão foi que a renda familiar total precisava ser igual ou inferior a 300% da linha da pobreza do país, o que dá um teto mensal de US$ 3,19 mil (quase R$ 18 mil, valor nominal na cotação atual) para um lar de uma única pessoa até US$ 6,55 mil (R$ 37 mil) para uma família de quatro pessoas.
Os participantes adultos foram então sorteados para inclusão em dois grupos. No primeiro grupo, o de tratamento, cada um de mil sorteados ganhou US$ 1 mil adicionais por mês durante três anos. Cada um dos outros dois mil, no grupo controle, recebeu só US$ 50 mensais. Quatro mil crianças vivendo nos lares desses adultos também foram fontes dos resultados.
Vivalt esclareceu que, como o estudo começou em 2020 e terminou em 2023, há também o fator complicador da pandemia de COVID-19, que desafia a interpretação dos resultados. A especialista levou em conta que os filhos das famílias que estavam recebendo o valor maior podem ter tido mais tempo na educação híbrida (online e presencial), mas esta informação pouco alterou os desfechos.
Muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Brasil incluso, estão à mercê do problema da baixa fecundidade, quando a taxa de nascimento de crianças está abaixo de 2,1 filhos por mulher. É a taxa mínima para o tamanho da população ficar constante. A brasileira é de 1,55, segundo o Censo 2022 do IBGE.
O fato de a renda adicional garantida não ter afetado o número de filhos mostra que também não serve como solução para esse problema. Alarmantemente, Eva Vivalt e seus colegas observaram que, na verdade, o dinheiro extra pode até estar associado a mais abortos. A economista fez a ressalva de que este é um resultado condicional ao teste de gravidez positivo. Dessa forma, não se pode afirmar que foi o recebimento da renda extra a causa do aumento de abortos — a associação pode ser puro acaso.
“Isso só mostra que, consistentemente com a literatura [acadêmica], as preferências de fecundidade das pessoas são muito difíceis de mudar com políticas públicas”, afirmou.
Quanto ao resultado da redução de estresse dos pais no primeiro ano da renda extra garantida, ele veio acompanhado de um desfecho paradoxal: esses pais também relataram mais problemas de comportamento nos filhos, registrando mais estresse e dificuldades de desenvolvimento social em suas crianças do que os pais que receberam a quantia irrisória.
Esse pode ser um efeito de mais tempo livre para os que ganharam US$ 1 mil adicionais por mês para observarem os filhos, comentaram os autores. Há um efeito mais objetivo: os beneficiários da renda extra tenderam a bater menos nas crianças.
Estudos anteriores sobre o assunto sugerem que efeitos positivos da transferência assistencial se fazem mais presentes quanto mais novas forem as crianças favorecidas. Bebês são os mais beneficiados, com tempo suficiente. As crianças mais pequenas da sua amostra, disse a autora, não tiveram tempo para apresentar resultados em três anos.
Vivalt afirmou que “os efeitos tenderam a ser mais positivos entre os subgrupos com a maior desvantagem”. Foi o que os pesquisadores observaram ao baixar a análise para tetos menores de renda, até menos que o dobro da linha da pobreza. Não deixa de ser um comentário sobre a Renda Básica Universal: a universalização é ineficaz — a assistência deve ser dada a quem é mais pobre.
O tipo de trabalho de Vivalt e colegas é conhecido como “estudo controlado e randomizado” (ECR). É um dos métodos de maior rigor, que produz resultados melhores que os estudos de observação, usado para múltiplas linhas de investigação científica, da transferência de renda à eficácia dos medicamentos. Ao sortear quem vai receber o tratamento (no caso a transferência maior), os cientistas evitam contaminar os resultados com seus próprios pré-julgamentos.
O primeiro ECR de transferência de renda foi feito entre 1967 e 1972 no estado americano da Nova Jersey, com 1.357 famílias. Os autores observaram que os beneficiados tenderam a reduzir o número de horas trabalhadas, especialmente nas mulheres. O efeito foi considerado modesto. Na época, a polêmica da interpretação dos resultados se deu mais em torno dos possíveis efeitos do dinheiro extra em aumentar a taxa de divórcios.
Em julho do ano passado, uma revisão de estudos de transferência incondicional de dinheiro, focada especificamente nos efeitos sobre a vida escolar das crianças, foi publicada por dois pesquisadores da Universidade de Nottingham em seu campus da Malásia, na revista Empirical Economics.
Os autores utilizaram 38 estudos que tratavam de 22 programas de transferência em 18 países. O resultado da revisão foi que as crianças de famílias beneficiadas aumentavam em apenas 4,3% suas chances de estarem matriculadas na escola. Sua frequência escolar era 3,6% superior à das crianças não beneficiadas. Somente sete dos 38 estudos, contudo, eram controlados e randomizados, o que aumenta a incerteza sobre esses resultados.