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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (21) pela condenação dos sete réus do chamado “núcleo quatro” da trama golpista. O grupo seria o responsável por organizar estratégias de desinformação para atacar o sistema eleitoral, instituições e autoridades que não aderiram ao plano de golpe de Estado. O objetivo seria manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder.
Integram o núcleo quatro Ailton Gonçalves, major da reserva do Exército; Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército; Carlos César Moretzsohn Rocha, engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal (IVL); Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército e ex-integrante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército; Marcelo Araújo Bormevet, policial federal e ex-membro da Abin; Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército.
Moraes propôs a condenação do grupo pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A exceção é Carlos Rocha. Moraes propôs que o presidente do Instituto Voto Legal (IVL) seja condenado só por associação criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Moraes entendeu que Carlos Rocha só teve participação na elaboração de um relatório que questionava as urnas, sem ter sido citado antes e depois pelos demais acusados.
Segundo o ministro, os integrantes do núcleo usaram órgãos públicos para monitorar adversários políticos, atentar contra o Poder Judiciário, desacreditar a Justiça Eleitoral, o resultado das eleições de 2022 e a própria democracia. O objetivo, afirmou, seria fragilizar as instituições para facilitar questionamentos ao resultado da última disputa presidencial. Se as medidas não fossem efetivas, abririam caminho para uma intervenção nas instituições por meio da força.
“A organização criminosa pretendia desacreditar as eleições para permanecer no poder, mesmo que o resultado das eleições fosse adverso. E, uma vez finalizadas as eleições com o resultado adverso, impedir que o presidente e o vice-presidente democraticamente eleitos pudessem assumir”, disse Moraes.
“Houve utilização do Gabinete de Segurança Institucional e da Abin para produzir e divulgar massivamente desinformação sobre uma pretensa vulnerabilidade nas urnas eletrônicas e fraude nas eleições, com a clara finalidade de deslegitimar a Justiça Eleitoral. Os documentos demonstram a existência de grupo técnico para se aprofundar no tema que é desmoralizar a Justiça, atentar contra as instituições democráticas e o Estado Democrático de Direito, se utilizando de expertise técnica”, continuou.
O ministro listou cinco tópicos de atuação do grupo para minar as instituições e manter Bolsonaro no poder por meio de um golpe: o uso de órgãos públicos para monitorar adversários e executar estratégias contra o Judiciário; uso indevido da estrutura das Forças Armadas; a apresentação de uma minuta de teor golpista a chefes das Forças Armadas; criação de um gabinete de crise que seria montado após o golpe ser consulado; live realizada em 4 de novembro de 2022 questionando a segurança das urnas. Na ocasião, material criado com a participação de integrantes do núcleo quatro foi repassado a um canal argentino. A transmissão com informações falsas sobre as eleições brasileiras teve 415 mil visualizações simultâneas.
O grupo também teria difundido “ideais antidemocráticos” nas redes. Os “ataques ao STF, ao Congresso e à Justiça Eleitoral”, disse Moraes, teriam como objetivo causar um levante, como o ocorrido em 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas por bolsonaristas.
Segundo Moraes, autoridades que não aderiram à trama golpista também foram alvo de desinformação. Foi o caso, sustentou, do general Freire Gomes, comandante do Exército no governo Bolsonaro, e Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica. A ordem para atacar os militares teria partido do general Walter Braga Netto, que foi vice na chapa do ex-presidente em 2022.
“É o modus operandi das milícias digitais populistas. São covardes que atacam não só seus inimigos, mas também os familiares, independentemente da idade. Não há dúvida de que [o núcleo] executou ataques virtuais na tentativa de restringir o exercício dessas instituições, das próprias Forças Armadas, e conseguir apoio para efetivar o golpe”, afirmou Moraes.
“A sistemática de disseminação de informações falsas em face de instituições democráticas e dos poderes constitucionais demonstra que os membros da organização criminosa utilizaram técnicas militares para influenciar determinado público-alvo e montar comportamentos para atingir os objetivos determinados pelo líder da organização criminosa, o já condenado Jair Bolsonaro”, prosseguiu.
Mensagens trocadas entre os investigados, disse o relator, indicam que a intenção do grupo, desde meados de 2021, era descredibilizar pouco a pouco as instituições e as urnas, “abrindo caminho para um golpe de Estado e a permanência ilícita desse então grupo político que se transformou em uma organização criminosa”.
Único que pode ser absolvido por ao menos três dos cinco crimes imputados, Carlos Rocha foi contratado pelo PL para produzir um relatório sobre o segundo turno das eleições de 2022. O documento foi utilizado pelo partido de Bolsonaro para questionar a legitimidade de mais da metade das urnas. Para Moraes, não houve participação do réu para além da construção do relatório.
Na semana passada, a PGR e os acusados apresentaram suas sustentações orais. Sobre Ailton Barros, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que ficou comprovado que ele seguia ordens do general Walter Braga Netto, que foi vice na chapa de Bolsonaro em 2022, para uma ofensiva de desinformação contra os então comandantes das Forças Armadas, general Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica), que se recusaram a aderir ao suposto plano golpista.
“Os ataques orquestrados foram além da propagação de frases e imagens depreciativas na seara virtual e culminaram em incursões na porta da residência dos comandantes, funcionando como severos mecanismos de pressão em prol da ruptura institucional”, disse o PGR.
Ângelo Denicoli é acusado de produzir materiais fraudulentos sobre as urnas. Carlos César Rocha teria elaborado o relatório que embasou a representação do PL no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) questionando urnas usadas nas eleições de 2022. Giancarlos Gomes e Marcelo Bormevet fariam parte da “contrainteligência” da trama golpista. Eles teriam usado a estrutura da Abin para buscar informações que poderiam beneficiar Bolsonaro.
Guilherme Almeida é acusado de enviar conteúdo falso sobre as urnas ao argentino Fernando Cerimedo, que fez uma “live” para questionar o sistema de votação. Por fim, Reginaldo Abreu teria conhecimento do “Plano Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades, entre elas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e Moraes.
Os réus negaram todas as acusações e pediram que fossem integralmente absolvidos. Os argumentos centrais das defesas incluem a atipicidade das condutas imputadas; a ausência de vínculo dos acusados com uma suposta organização criminosa e a fragilidade das provas, especialmente em relação aos depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Reginaldo Vieira pediu a anulação do acordo de delação por supostos “vícios”. Angelo Denicoli, Carlos Rocha e Guilherme de Almeida usaram trechos dos depoimentos de Cid relacionados aos réus para defender suas absolvições. Os advogados dos réus também alegam cerceamento de defesa. Segundo eles, houve atraso no acesso às provas e tempo escasso para analisar todo o material.