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Stalking e ameaça lideram crimes virtuais contra mulheres, aponta SSP; saiba como agir
Published
1 mês agoon
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‘Stalking’: saiba quando a perseguição na internet se torna crime
A Polícia Civil de Sorocaba (SP) registrou 38 boletins de ocorrência por crimes cometidos contra mulheres na internet, de janeiro a julho de 2025. Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), indicam que perseguição (ou stalking) e ameaças são as principais formas de violência cometidas na web.
No mesmo período do ano passado – isto é, entre janeiro a julho de 2025 -, o número de boletins registrados por violência digital foi o mesmo, 38.
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Ameaças lideram os crimes virtuais sofridos por moradoras de Sorocaba. Foram 14 nos primeiros sete meses de 2025 e 15 no mesmo intervalo do ano anterior. Casos de stalking vêm logo depois, com 10 registros em 2025 e 11 em 2024.
Ainda conforme o levantamento, a maioria dos criminosos mantinha relação amorosa com a vítima, em diferentes níveis de relacionamento.
Do total de casos, de 2024 e 2025, 27 vítimas tinham algum tipo de envolvimento amoroso, sendo que 21 delas eram casadas e 19 estavam em união estável. Ainda entre o total de casos, sete afirmaram que foram vítimas da violência por parentes. Confira:
Envolvimento amoroso: 27;
Casamento: 21;
União estável: 19;
Parentesco: 7; e
Não declarado: 2.
Em todo o estado de São Paulo, neste ano, de janeiro a julho, 3.220 boletins de ocorrência por violência contra a mulher na internet foram registrados. No ano passado, no mesmo período, foram 4.539 boletins.
‘Vai morrer sozinha’
Ninguém inicia um relacionamento pedindo antecedentes criminais. Quem tem um passado obscuro também não expõe isso no primeiro encontro ou publica nas redes sociais. Fosse o contrário, uma mulher de 38 anos, moradora de Sorocaba (SP), que preferiu não se identificar, não teria passado o que passou e ainda está passando.
Ela teve de mudar sua vida, seus comportamentos e suas rotinas em função do último relacionamento. Entre as diversas mensagens, teve de ler que ela tinha um encosto e que iria morrer sozinha. Em outra ocasião, o agressor disse que ela tinha que ter relações sexuais com ele, ou ele e o cachorro dele morreriam. Ela não foi. Como punição, recebeu fotos de um cachorro com múltiplos ferimentos.
“Ele me mandou mensagem dizendo que o cachorro dele morreu por minha culpa.”
O agressor tem como passado uma extensa ficha criminal, com denúncia de seis mulheres e medidas protetivas, duas somente de 2024. Ele ainda responde por tentativa de homicídio.
“Um ponto importante aqui é que, geralmente, falam que é preciso ficar atento aos sinais. Só que a gente precisa entender que, às vezes, não vai ter sinais. Ninguém vem com letreiro na testa dizendo ‘estuprador’, ‘agressor’.”
E no meio de tantas privações, ela também encontrou insegurança onde deveria mais receber apoio. Ela relata que teve problemas para registrar o caso na Delegacia da Mulher em Sorocaba. Em vez de prontidão, recebeu burocracia proposital.
“Fiquei lá plantada quatro horas pra ver se alguém me atendia. Quem me atendeu foi um homem, que disse que só foi ameaça e que não aconteceu nada demais comigo.”
Na sua residência, em vez de proteção, ao acionar a Polícia Militar, recebeu sermão e quase um tutorial para se expor a riscos. “Eles começaram a brigar comigo e me intimar, o porquê de eu não ter ido lá fora filmar o agressor.”
Como resultado de tudo isso, ela está fazendo tratamento para crise do pânico, estresse pós-traumático e transtorno adaptativo, quando a pessoa tem diversos gatilhos em função de algum trauma. Atualmente, ela ainda conta com uma medida protetiva, que é renovada a cada seis meses.
Violência combinada
Caso é investigado pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Sorocaba (SP)
Victor Cardoso/TV TEM
Em Jundiaí (SP), mais um exemplo de violência contra a mulher. Nesse caso, uma combinação de violência física e a forma digital. A vítima, de 39 anos, sofreu tentativa de feminicídio por enforcamento por parte do ex-companheiro. Ele também usou uma faca e pedaços de madeira contra a mulher, que prefere não ser identificada.
O agressor ainda violou uma medida protetiva determinada pela Justiça. O homem chegou a ser preso, mas foi solto na audiência de custódia. Além disso, as ameaças continuaram, inclusive na forma digital. A mulher recebeu mensagem com os dizeres ‘quero ver vc (sic) no inferno’, ‘tenho ódio de vc’ (sic), ‘te odeio’ e ‘te busco no inferno'”.
Ela ainda tenta reverter a situação na Justiça, mas, enquanto isso, segue uma rotina de medo e insegurança, a qual ele define como cárcere privado na própria casa.
Comportamentos repetitivos e obsessivos
Emanuela Barros, advogada de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
A advogada Emanuela Barros é uma das mais conhecidas ativistas da causa quando se trata de violência contra a mulher em Sorocaba.
“O crime de stalking é caracterizado por comportamentos repetitivos e obsessivos direcionados a uma pessoa, causando medo, angústia ou interferência na rotina da vítima. As leis variam conforme o país, mas geralmente incluem perseguição, ameaças ou monitoramento constante”, explica.
Ela comenta que não é fácil atuar nessas situações. “Muitas vezes, a questão da violência cibernética depende ainda de comprovação de como que foi, e, na verdade, é uma perseguição que a pessoa faz através de redes sociais, das mídias sociais e deixam a mulher numa condição muito vulnerável”, diz.
“Você não tem lugar seguro, onde que você está, está sendo perseguida, você está sendo, de certa forma, podada, porque onde que você está, a pessoa te persegue sabendo que você está, manda mensagem, manda foto, às vezes até faz a violência de forma bastante direta”, lembra.
A especialista diz ainda que é importante orientar a vítima de que é essencial ter provas da perseguição para conseguir, durante o processo, demonstrar que a história da vítima é verídica.
“Salvar e-mails, postagens em redes sociais, tirar prints (capturas de tela) de mensagens ou registrar chamadas telefônicas. Tem que armazenar tudo e nunca apagar as provas”, completa.
Emanuela ainda comenta outro ponto que envolve os crimes cibernéticos: eles têm relação com o chamado “revenge porn”, ou pornografia da vingança, que é quando fotos e momentos íntimos da vítima são postadas em sites e redes sociais, ou encaminhadas em aplicativos de mensagem.
Forma de controle e poder
Kelly Pedroso, psicóloga de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
A dificuldade em aceitar o fim do relacionamento é uma das principais causas das perseguições online. Conforme a psicóloga Kelly Pedroso, muitos desses casos de violência digital têm origem em relações amorosas anteriores, e o ambiente virtual acaba sendo usado para manter o controle e prolongar os laços de poder.
“O stalking muitas vezes emerge de uma dificuldade em aceitar o fim da relação. Ex-parceiros usam o ambiente digital como forma de controle, prolongando vínculos de poder e dependência emocional. A tecnologia facilita essa continuidade da violência, que já existia em muitos casos durante o relacionamento”, explica Kelly.
Segundo a especialista, esse tipo de comportamento dos ex-parceiros e ex-parceiras causa nas vítimas grande sofrimento emocional e acaba causando danos à saúde mental.
“As ameaças e perseguições virtuais desencadeiam um estado de vigilância constante, gerando ansiedade, medo e estresse crônico. Muitas vítimas desenvolvem insônia, dificuldades de concentração e quadros depressivos”, detalha.
A psicóloga ainda destaca que a violência digital acaba corroendo a autoestima das pessoas, fazendo com que elas se isolem dos outros por conta do medo do que pode acontecer. Mesmo que o ambiente seja online, as vítimas têm medo de que as ameaças virem realidade.
“A vítima tende a duvidar da própria autonomia e passa a evitar a exposição online. Em muitos casos, reduz o contato com amigos e familiares, o que aprofunda o isolamento e o sentimento de vulnerabilidade.”
A especialista ainda reforça que um dos primeiros passos para quem sofre esse tipo de violência é reconhecer que não se trata apenas de um problema individual, mas sim de uma agressão, e compartilhar com pessoas que têm mais confiança nesses momentos.
“É importante não se culpar. Procurar apoio emocional, preservar provas e buscar ajuda profissional e jurídica são passos fundamentais para quebrar o ciclo de controle”, orienta.
Nesses momentos, como explica a profissional, é importante ter um suporte de familiares e amigos. “Eles devem validar a experiência da vítima e oferecer presença e escuta, sem minimizar o que ela sente. Acolher e acompanhar o processo ajuda a reduzir o isolamento”, diz.
Por fim, a psicóloga lembra que o ambiente digital não apenas reproduz, mas também intensifica a violência de gênero. “O digital amplia o alcance e o impacto das agressões, reforçando desigualdades que já estão presentes nas relações offline”, conclui.
Perseguição e morte
Anna Carolina Pascuin Nicoletti foi achada morta em Sorocaba
Arquivo Pessoal
Um dos casos mais lembrados desse tipo de violência em Sorocaba ocorreu em novembro de 2021, na zona oeste da cidade. A influenciadora Anna Carolina Pascuin Nicoletti, à época com 24 anos, foi encontrada morta em um apartamento, no bairro Wanel Ville.
De acordo com a Polícia Civil, o ex-padrasto de Anna era considerado um stalker – crime de perseguição, conhecido também como “stalking”. Os depoimentos de conhecidos da vítima e de parente sobre a suposta obsessão e uma possível arma guardada na casa dele foram embasados no pedido de prisão temporária.
Ele virou réu, está preso e já foi condenado a mais de dois anos de prisão.
Como denunciar
As duas principais formas de denunciar esse tipo de violência são na delegacia virtual da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), ou nas delegacias da mulher do estado.
Veja como e quando denunciar o ‘stalking’, crime de perseguição
Daniel Ivanaskas/G1
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