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Brasil supera média global em transição climática no setor elétrico | ESG
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2 meses agoon
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Com menos de dois anos de existência, o Climate Finance Hub lançou na semana passada seu primeiro relatório setorial sobre a maturidade da transição climática de empresas que atuam no Brasil. Seguindo a metodologia internacional ACT (Accelerate Climate Transition), o primeiro caderno se dedicou ao setor elétrico.
Segundo Luan Santos, coordenador do grupo finanças e investimentos sustentáveis (gFIS) da UFRJ e coordenador de pesquisas do Climate Finance Hub Brasil, o setor é um grande emissor de gases de efeito estufa no mundo todo e, apesar de o Brasil ter um case de sucesso em energia renovável, há oportunidades e desafios para as empresas que atuam no território nacional. Foram mapeados as ações e desempenhos de 15 empresas do setor, que, juntas, representam 71% da geração de energia no país e 48% da capacidade instaladade.
A apresentação do material foi feita durante evento organizado pelo hub com apoio da FIESP e da FEBRABAN no último dia 25 para falar sobre os desafios do financiamento climático em um mundo em transformação. Um dos dados destacados foi o fato de 60% das empresas avaliadas já operarem com a matriz 100% renovável e 53% oferecem soluções de eficiência energética. Os 40% restantes ainda têm ativos fósseis remanescentes no portfólio, ou seja, precisam passar pelo processo de descarbonização.
Um tópico avaliado foi o da governança em prol de práticas sustentáveis. Segundo o relatório do Climate Finance Hub, 93% das empresas do setor elétrico avaliadas têm estruturas formais de governança climática e 60% apresentam estratégias estruturadas, com metas, prazos e articulação com os objetivos do negócio. Quando avaliadas as empresas que têm metas validadas pela ciência, só 13% já passaram pelo crivo da Science Based Target Initiative (SBTi) e 27% estão em processo de validação. Apenas uma das 15 empresas avaliadas não teve sua meta de curto prazo alinhada à trajetória de descarbonização proposta na metodologia.
São avaliados, de forma agregada, como média da amostra de empresas, o empenho em direcionar investimentos, fazer uma gestão consistente e coerente, engajar com o fornecedor, com o cliente e com as discussões com a agenda política e regulatória, além do próprio modelo de negócio. O documento pode ser baixado no site do Climate Finance Hub.
“Na análise setorial, quando comparamos o Brasil com o cenário global, o setor elétrico nacional apresentou média de 12,2, bem acima da média internacional, de 5,3, calculada pela WBA [World Benchmarking Alliance], que aplica a mesma metodologia em empresas no mundo todo. Esse desempenho reflete a matriz elétrica brasileira, mas também evidencia de forma objetiva a performance positiva do setor”, comenta Santos.
Na avaliação da dimensão de “narrativa”, que se refere à evolução em si das práticas de descarbonização das empresas do setor, o segmento recebeu, no Brasil, a nota “B” (em uma escala de A a E), o que indica uma evolução consistente ao longo do tempo. “Já as perspectivas futuras são vistas como favoráveis, sinalizando maior engajamento do setor elétrico com a agenda climática, especialmente em relação à meta de 1,5 °C prevista no Acordo de Paris”, comenta Santos.
Também é avaliado o nível de engajamento e as perspectivas de transição daqui em diante, ou seja, o compromisso futuro das companhias. A tendência identificada é positiva, ou seja, há uma predisposição para a pauta continuar avançando no setor corporativo elétrico do Brasil.
“Não fazemos apenas uma fotografia do momento atual, mas construímos uma visão completa, com base em dados quantitativos e projeções de performance climática”, reforça Santos.
Os próximos, que estão já em fase de coleta de dados, serão nos setores de óleo e gás e agronegócio.
O coordenador de pesquisas do CFH lembra ainda que incentivos de políticas públicas em prol da transição energética, à exemplo do que o Brasil fez no passado e que hoje resulta em uma matriz energética considerada limpa, são importantes para o avanço da pauta no setor. Contudo, pontua que ainda falta integração com outras políticas, especialmente no que diz respeito ao phase-out [diminuição até a parada do uso] de fontes fósseis, o que representa um desafio relevante para a política energética, segurança e eficiência.
“Outro ponto central é o engajamento político. No início, o foco estava muito voltado ao setor privado e às empresas, mas ficou claro que sem diálogo com políticas públicas e sem influência no debate regulatório, a agenda de descarbonização ficaria incompleta. Por isso, a aproximação com esse debate é essencial para garantir avanços consistentes na transição do setor”, finaliza.
A escolha da metodologia ACT veio por uma série de fatores, entre eles a proximidade dos próprios pesquisadores da UFRJ, faculdade parceira do Climate Finance Hub na iniciativa dos cadernos, e também a metodologia holística, conseguindo agregar diversas variáveis relacionadas à agenda do clima, como, por exemplo, a agenda econômica e a agenda social.
“Essa metodologia pode ser aplicada em diversos setores econômicos, e a ideia é que, a partir de um uso de uma metodologia extremamente consolidada e respeitada internacionalmente, utilizada por vários stakeholders mundo afora, que a gente consiga entender como está a maturidade do sistema, dos setores da economia brasileira, no que diz respeito a essa transição climática”, conta Luan Santos. Ter um guia para análises setoriais permite, segundo o pesquisador, entender a real complexidade que o setor representa. Em paralelo, o fato de ser um método global, permite comparação entre os setores brasileiros e de outros países.
Na metodologia ACT, as empresas são avaliadas três dimensões centrais: performance, narrativa e coerência estratégica. É uma metodologia de análise que se propõe a avaliar se, de fato, as empresas estão em trajetória de descarbonização. “A narrativa é um elemento estratégico: ajuda a entender se a empresa está realmente fundamentada em suas escolhas ou se está apenas comunicando sem embasamento. Avaliamos se existe coerência entre discurso, ações e resultados econômicos, e se a companhia está conseguindo avançar na rota certa de descarbonização”, comenta Linda Murasawa, líder de Engajamento do Setor Financeiro.
Ela reitera que há um esforço de customizar essa metodologia global ao contexto brasileiro. “Temos particularidades de biomas, setores como o agro, além de técnicas desenvolvidas há décadas no Brasil, como o ZARC (Zoneamento Agrícola de Risco Climático) e práticas de agricultura de baixo carbono. Esses elementos não aparecem em metodologias internacionais, mas não podem ser excluídos de análises comparativas.”
Linda Murasawa explica que os cadernos são apenas uma das entregas do Climate Finance Hub, que, neste um ano e meio de existência, já promoveu diversos diálogos com especialistas de diferentes setores, como agro, energia, papel e celulose, e também com representantes do setor financeiro, incluindo Anbima, Febraban, seguradoras, gestoras de ativos e o Banco Central. “Chamamos especialistas setoriais para apresentar metodologias, debater pontos críticos e construir algo crível para o mercado brasileiro”, conta.
Estruturado entre janeiro e outubro de 2024 e lançado oficialmente em novembro do ano passado, o Climate Finance Hub atua como um espaço de encontro entre especialistas do setor financeiro, da economia real e de diferentes setores produtivos, buscando traduzir e adaptar metodologias internacionais de análise de descarbonização para a realidade brasileira. Desde o início, sua equipe já participou de discussões do G20 – Finanças do Amanhã.
“Temos perfis muito distintos de profissionais: alguns entendem de clima, mas não da metodologia financeira, e outros dominam a análise financeira, mas não conseguem acessar a complexidade científica das mudanças climáticas. O hub busca justamente integrar esses saberes.”
Em agosto de 2025, o Hub realizou seu primeiro evento aberto, apresentando resultados da metodologia e discutindo como ela pode apoiar os próximos passos da descarbonização. O segundo estudo, em andamento, foca nas regulamentações em discussão no Brasil e no mundo sobre o que deve ou não ser financiado em termos de transição climática.
“Estamos em um momento em que é preciso olhar para os negócios e modelos que precisam ser transformados. Para isso, é necessário capital – e o capital precisa entender esse novo modo de fazer negócios. É exatamente essa ponte que buscamos construir”, conclui Linda. Ela pontua que, além de os recursos direcionados hoje à descarbonização serem insuficientes perante os desafios, quando o assunto é investimento adaptação Às mudanças climáticas, menos de 10% dos recursos são direcionados à pauta.
O Hub também atua na capacitação de analistas financeiros para aplicar metodologias de descarbonização. Em 2024, 20 analistas de research, crédito e risco foram treinados, realizando exercícios práticos para aplicar os conceitos aprendidos. O objetivo é engajar tanto instituições financeiras de grande porte quanto bancos médios e pequenos.
“Nosso trabalho não é apenas técnico, mas também de engajamento. Traduzimos o que está sendo feito e como está sendo feito para que o setor financeiro e a economia real possam dialogar de forma colaborativa.”
