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O gaúcho Luis Fernando Verissimo morreu neste sábado (30), aos 88 anos. O escritor estava internado na UTI do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, com princípio de pneumonia. A informação foi confirmada por familiares aos sites do g1 e Zero Hora.
A saúde do escritor, que tinha doença de Parkinson, estava debilitada devido a sequelas de um AVC sofrido em 2021, quando parou de escrever. No ano anterior, havia sido operado devido a um câncer ósseo na mandíbula. Ele também já não falava havia algum tempo.
Em 2013, após sair do hospital em que passou 24 dias internado devido a uma gripe que evoluiu para infecção generalizada, Verissimo disse em uma entrevista: “A morte é uma sacanagem. Sou cada vez mais contra”.
No documentário “Verissimo”, de Angelo Defanti, lançado no ano passado, o escritor mostra seu cotidiano em cenas gravadas em 2016, nos 15 dias que precedem seu aniversário de 80 anos. “A gente se distrai e quando vê, está fazendo 80 anos”, diz ele no filme.
Com mais de 80 livros publicados, entre romances, crônicas, relatos de viagem, quadrinhos e coletâneas de artigos em jornal, Verissimo venceu distinções como o Prix Deux Océans, em 2004, no Festival de Culturas Latinas de Biarritz, na França, além do Prêmio Jabuti. Em 2013, seu “Diálogos impossíveis” (Objetiva) foi eleito o melhor livro de ficção da premiação brasileira.
Nos últimos anos, Verissimo nunca havia deixado de se posicionar publicamente em temas da política brasileira. Em 2020, por exemplo, foi um dos 200 signatários do manifesto “São Paulo precisa de Boulos e Erundina”, que defendeu a chapa formada por Guilherme Boulos e pela ex-prefeita Luiza Erundina, ambos do Psol.
No mesmo ano, o escritor participou do manifesto “Juntos pela Democracia”, que teve mais de 150 mil assinaturas. Em 2018, às vésperas da prisão de Lula, Verissimo assinou o prólogo do livro “A verdade vencerá: O povo sabe por que me condenam” (ed. Boitempo), do então ex-presidente.
Na década passada, Verissimo teve ainda atuação em diferentes setores. Em 2014, dois anos após fazer a apresentação de abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Verissimo foi homenageado pela escola de samba de Porto Alegre Imperadores do Samba. Com o enredo “A Imperadores do Samba faz a justa homenagem aos personagens de Luis Fernando Verissimo”, que destacava a Velhinha de Taubaté, Ed Mort, o Analista de Bagé e as tirinhas das Cobras, a escola foi campeã do Grupo Especial do Carnaval de Porto Alegre.
No ano seguinte, 2015, Luis Fernando Verissimo colaborou com a dupla gaúcha Kleiton e Kledir no disco “Com todas as letras”. Ele é autor da letra de “Olho mágico”, além de ter tocado saxofone na gravação.
Na adolescência, Verissimo queria ser trompetista como Louis Armstrong, mas na escola em que estudava em Washington só havia saxofones para emprestar aos alunos. Então, virou saxofonista. Como Charlie Parker.
Aos 26 anos, sem profissão definida, era tradutor de inglês no Rio e queria aprimorar a vocação para o desenho, associá-la ao rudimentar domínio de texto e à paixão pela música. Queria, enfim, ser diretor de arte no cinema. Talvez como Cedric Gibbons, Oscar da categoria em 1952 com “Sinfonia de Paris”. Mas faltou dinheiro para um curso em Londres.
Casado com a carioca Lúcia, e a filha Fernanda já com um ano de idade, faltava dinheiro também para continuar no Rio. Voltou então para Porto Alegre e foi viver na casa do pai, Erico Verissimo (autor de clássicos brasileiros, como “O tempo e o vento”) e da mãe, Mafalda.
Levou o sax alto para as festas de debutantes, onde se apresentava com a banda de Renato, “o maior sexteto do mundo”, pois tinha nove músicos. Compensaria o exagero quase meio século mais tarde ao liderar o Jazz 6, o menor sexteto do mundo, com quatro membros.
Foi ser redator na agência de publicidade MPM e copidesque no jornal “Zero Hora”. Em ambos foi criativo: na agência, era responsável por premiadas campanhas para a gasolina Ipiranga e para as Lojas Renner; no jornal, a imaginação se espalhava pela seção de “frescuras”, como era chamado na época o caderno de variedades, em que redigia até o horóscopo.
Com fina tendência para a sátira de costumes, começou a escrever crônicas sobre o cotidiano paroquial, que logo se transformou em regional, nacional, universal, planetário. Quando estava com preguiça de escrever, desenhava em traços rápidos tiras humorísticas, “As Cobras”.
Em 1971, a José Olympio reuniu algumas das crônicas e editou “O popular”, seu primeiro sucesso nacional. Na MPM, onde trabalhou por 15 anos, como brinde de Natal da agência escreveu um livro no estilo dos legítimos best-sellers americanos — cumpria até a cláusula pétrea da cálida cena de sexo antes da página 30. “As Cobras” renderiam outros quatro livros a partir de 1975. Ed Mort, o detetive, Dorinha, a “socialite-socialista”, e a Velhinha de Taubaté, a única brasileira a acreditar nos generais da ditadura, foram alguns dos personagens que criou.
O de maior sucesso, entretanto, foi o “Analista de Bagé”, psicoterapeuta gaúcho em cujo arsenal de soluções para os males da alma se sobressaía o joelhaço nas partes pudendas. Esgotou-se em dois dias ao ser editado pela L&PM em 1981, e até hoje é procurado nas livrarias de todo o país.
Em entrevista à “Folha de S. Paulo” em 2020, Verissimo disse: “O Analista receberia o Bolsonaro com um joelhaço, para inveja de muita gente”.
Com talento incomum para cunhar frases, quando a internet começou a se popularizar, Verissimo viu inúmeras citações que jamais cunhou serem atribuídas a ele. Além dos livros, escreveu colunas nos jornais “Zero Hora”, “O Estado de S. Paulo” e “O Globo”, depois de ter passado por “Veja” e “Jornal do Brasil”. E, por incontáveis, as contribuições encomendadas pela Rede Globo para sua programação humorística. No jornal “O Globo”, Verissimo estreou em fevereiro de 1999, e integrou a equipe de cobertura de duas Copas do Mundo, em 2002 (Coreia e Japão) e 2006 (Alemanha).
Entre as coletâneas mais recentes de Verissimo estão “Ironias do tempo” (Objetiva), com crônicas publicadas na imprensa de 1998 a 2018, e “Verissimo antológico” (2020), com mais de 300 crônicas escritas durante cinco décadas, a partir de 19 de abril de 1969, quando assinou uma coluna no “Zero Hora”.
Verissimo tinha sua mesa de trabalho na mesma casa, em Porto Alegre, em que o pai, Erico Verissimo, escreveu a imortal trilogia “O tempo e o vento”, entre os anos 40 e 60. Apesar de falar pouco e preferir dar entrevistas por e-mail antes das limitações de saúde, não se considerava um eremita. Pelo contrário, viajava muito e tinha um pequeno apartamento (50 metros quadrados) em Paris e outro, maior, em Ipanema, no Rio. E nos muitos países frequentados, o que mais gostava eram os restaurantes. Daí, a preferência pela França. E o pouco entusiasmo pelos Estados Unidos, onde vivera duas vezes na época em que seu pai foi professor em Berkeley (1943-1945) e, em Washington, diretor cultural da União Panamericana, precursora da atual Organização dos Estados Americanos (OEA), de 1953 a 1956. Praticamente só ia aos EUA para visitar a única irmã, Clarissa, casada com um americano. Mas acompanhava a política americana como se fosse a própria, e suas crônicas refletiam impoluta antipatia pelos republicanos.
Foi num hospital de Boston, porém, que, em 1991, lhe implantaram três safenas e uma mamária para livrá-lo de obstrução arterial. Depois disso, refreou o ímpeto por comidas gordurosas.
Em uma entrevista ao Valor em 2012, gostou de ser considerado “pensador bem-humorado”, em lugar de simplesmente humorista. E disse que para ele o humor é mais uma técnica, um estilo, “com ele você pode tratar de qualquer assunto, sério ou não”.
Verissimo deixa a mulher, Lúcia; a irmã, Clarissa; os filhos, Pedro, Fernanda e Mariana; e três netos.