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3 meses agoon
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O presidente Lula tem criticado o “tarifaço” e as sanções de Donald Trump como uma ameaça à soberania do Brasil. “Soberania”, aliás, se transformou em uma espécie de slogan para o governo nos últimos dias. Mas o petista parece esquecer as regiões do país onde o crime organizado substitui o poder público há décadas. E não são poucas: segundo os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas o estado do Rio de Janeiro tem aproximadamente 1.700 áreas sob controle do tráfico ou da milícia.
Nesses territórios, o Estado brasileiro não é soberano porque não tem o monopólio da força.
Na ausência de um controle estatal efetivo, facções armadas criaram governos paralelos, impondo normas próprias, restringindo a liberdade de circulação e privando a população de políticas públicas, como acesso a hospitais, escolas e transporte.
Um estudo de 2023, realizado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI-UFF) e pelo Instituto Fogo Cruzado, revelou que o crime organizado controla de forma direta quase um quinto da região metropolitana do Rio de Janeiro, impondo restrições à atuação do Estado em diversas áreas. Entre 2017 e 2023, foram registrados mais de 38 mil tiroteios relacionados à disputa territorial no Grande Rio. Cerca de 17 por dia.
No Rio de Janeiro, as favelas do Complexo do Alemão, Jacarezinho, Maré, Rocinha, Cidade de Deus e Complexo do Chapadão são dominadas pelo Comando Vermelho (CV). Toques de recolher, restrições a serviços públicos e confrontos com a polícia são parte da rotina da população.
Já na Zona Oeste e na Baixada Fluminense, as milícias têm o domínio de dezenas de comunidades. Os milicianos controlam serviços como transporte e gás, extorquindo moradores e cooptando a política local.
Outros grupos criminosos, como a ADA (Amigos dos Amigos) e o TCP (Terceiro Comando Puro) também mantém seus pequenos enclaves no mapa fluminese.
No relatório da UFF, Maria Isabel Couto, diretora de dados do Fogo Cruzado, alerta para as consequências diretas da violência armada para a população. “Os confrontos expõem a população ao medo, fecham escolas, interrompem transportes e serviços. Nosso estudo indica que menos da metade dos bairros são afetados por confrontos por ano, mas os impactos nessas regiões são severos e constantes”, afirma. Em 16 anos, os grupos armados dobraram seu domínio sobre o território do Grande Rio, passando de 9% para 18%.
Diferentemente do Rio de Janeiro, onde facções disputam territórios com violência aberta, o Primeiro Comando da Capital (PCC) exerce um controle supralegal em São Paulo, regulando o tráfico de drogas, extorquindo comerciantes e infiltrando-se em setores legais como transporte e combustíveis.
A facção domina 90% dos presídios paulistas, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e usa redes de informantes e barricadas para monitorar operações policiais, limitando a presença estatal nas periferias.
Regiões como Paraisópolis, Capão Redondo e a Favela do Moinho são redutos do PCC, onde a facção impõe taxas e controla o tráfico. Na Cracolândia, o PCC costumava gerenciar o comércio de drogas, dificultando ações policiais devido à vigilância constante e à resistência armada, embora esse cenário esteja mudando recentemente com a nova política adotada pela prefeitura da capital.

Em 2024, a Operação Fim de Linha revelou que o PCC movimentou R$ 732 milhões em transporte, enquanto a Operação Boyle (2025) expôs sua influência em 290 postos de combustíveis, segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP). A polícia enfrenta barreiras como barricadas físicas, medo de retaliações dos moradores e corrupção, que tornam as operações esporádicas e ineficazes.
O Brasil compartilha mais de 17 mil quilômetros de fronteira terrestre com dez países da América do Sul. A extensão é tão grande que representa um dos maiores desafios nacionais em segurança pública, especialmente para controlar o tráfico de armas, drogas e o contrabando que atinge todo o país.
Nas regiões de fronteira mais críticas, como Foz do Iguaçu (PR), Tabatinga e Alto Solimões (AM), Pacaraima (RR) e o Mato Grosso do Sul, a presença do Estado é insuficiente, e facções como o PCC e o Comando Vermelho impõem seu próprio domínio. Essas áreas são utilizadas como rotas para o escoamento de toneladas de entorpecentes e milhares de armas que atravessam o país a cada ano, sem qualquer controle estatal.
A escassez de recursos humanos e tecnológicos agrava o problema. Atualmente, apenas cerca de 30 mil agentes do Exército e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) atuam em toda a faixa de fronteira brasileira. O número está muito aquém do necessário. Autoridades relatam, ainda, casos em que militares de países vizinhos facilitam o tráfico, além da falta de equipamentos de monitoramento que reduzem o alcance do policiamento local.
O avanço do crime organizado também transformou diversas regiões do Nordeste e do Pará em terra sem lei. Em algumas regiões de Salvador (BA), Morada Nova (CE) e Anapu (PA), grupos armados impõem regras, expulsam famílias e controlam serviços básicos, tornando a presença do poder público uma mera formalidade vazia.
Na capital baiana, o Morro do Alemão, no bairro Nordeste de Amaralina, vive sob o domínio de facções como o Comando da Paz. A disputa por território entre grupos rivais tem provocado deslocamentos forçados de famílias inteiras, que fogem para outros bairros em busca de segurança.
Em Morada Nova, interior do Ceará, a situação é ainda mais crítica. A facção criminosa da região chamada Terceiro Comando Puro (TCP) impôs o abandono do distrito de Uiraponga, expulsando dezenas de famílias sob ameaça de morte. Apesar de ações policiais posteriores, a população continua refém do poder paralelo.
Na região norte do país, os conflitos fundiários prejudicam ainda mais a realidade local. Municípios paraenses como Anapu e Altamira concentram conflitos fundiários com grileiros, pistoleiros e madeireiros ilegais, muitas vezes com conivência de agentes públicos.
Já em áreas remotas da Amazônia, o Comando Vermelho e o PCC, associados a redes de garimpo, tráfico de drogas e crimes ambientais, atuam como poder paralelo. As facções utilizam pistas clandestinas, rotas de garimpo e assentamentos ilegais para controlar regiões sem regulação, incluindo terras indígenas, quilombolas e áreas sem destinação formal.
Segundo um levantamento de 2024 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 260 municípios da Amazônia Legal registraram presença de facções, com predominância de membros do Comando Vermelho. O número supera as 178 cidades com presença de facções na edição do estudo em 2023.
Assim como nas favelas do Rio de Janeiro, em Belém (PA), o bairro da Pedreira enfrenta o controle do tráfico, onde facções determinam quem entra e sai. Ambulâncias e outros serviços públicos precisam de autorização dos criminosos para circular, enquanto a presença do Estado se resume a operações pontuais, que não mudam a realidade local.
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